"Sistema prisional: superação de um paradóxo
O presente artigo, pretende expor as dificuldades encontradas no desenvolvimento do projeto no presídio regional de Lages, com o objetivo de trabalhar aspectos psicológicos relacionados com a família do detento, que sofre com implicações decorrentes do confinamento do familiar preso, a fim de conscientizar esses sujeitos do seu papel, inclusive de seus direitos e limites de cidadãos diminuindo as chances de reincidência criminal.O atendimento se dará no local onde residem as famílias, nesses encontros serão discutidos temas como: saúde, direitos, limites e conflitos relacionados às situações enfrentadas decorrentes do confinamento e estratégias para superá-las. Dentre estas estratégias está à possibilidade de viabilizar uma conscientização que leve essas famílias a acessarem junto à rede assistencial, programas e instrumentos que proporcionem melhor qualidade de vida, ou seja, utilizando a própria rede social do sujeito a fim de possibilitar instrumentos que o auxiliem a atingir uma condição onde ele próprio consiga gerenciar suas ações.Ao iniciar as atividades na instituição prisional, verificou-se a dificuldade de conseguir famílias com interesse em participar do projeto. Os estagiários ao tentarem a aproximação dessas famílias, aproveitaram a oportunidade do dia em que os reclusos recebem visitas, abordando seus familiares, explicando os objetivos do projeto.Percebeu-se então que, a grande maioria recebeu a proposta com certo estranhamento, alguns alegavam não ter tempo disponível, outros não viam a necessidade do serviço, isso tudo antes mesmo dos estagiários terem a oportunidade de explicar as atividades que seriam realizadas e os possíveis benefícios a serem recebidos.Uma pequena parte a princípio demonstrou interesse, fornecendo endereços de suas residências. Quando verificados esses locais observou-se uma resistência das pessoas que se encontravam nessas residências, pois, quando os estagiários tentavam obter informações sobre o horário em que seria possível efetuar as visitas, estas respondiam evasivamente inviabilizando o desenvolvimento do trabalho.Sabemos que a família ao longo dos tempos passou por um processo de transformação em conseqüência das mudanças econômicas e culturais da sociedade, assim cada grupo de pessoas constrói normas sobre o que considera adequado para homens, mulheres e suas famílias. A todos esses fatores acrescenta-se ainda a renda familiar mínima, escassas oportunidades de trabalho e a baixa escolaridade, o que torna difícil para elas perceberem a importância do trabalho psicológico para buscarem sua própria autonomia.Com este projeto buscamos entender os efeitos da prisão sobre as famílias dos apenados. A rejeição e a exclusão estendem-se as famílias fazendo com que o rejeitado/excluído aceite sua imperfeição e inferioridade social.Para Goffman (1961/1990), instituições totais são aquelas em que um grande numero de indivíduos em situação semelhante, levam uma vida fechada e formalmente administrada, onde todos os aspectos da vida diária são racionalizados e realizados no mesmo local e sob uma única autoridade.Compreendemos as prisões como instituições totais organizadas com objetivo de proteger a sociedade contra os perigos de ruptura do tecido social pelo crime e que, na maioria das vezes não possibilita a inclusão social das pessoas encarceradas. Essas instituições totais não contribuem pára a compreensão das subjetividades que circulam em torno do preso, porque tanto ele quanto sua família estão em constante relação com as normas e procedimentos do estabelecimento prisional, e produzindo sentidos a partir desta fragilização, ou seja, a precariedade como são assistidos.De acordo com a prerrogativa do parágrafo acima, o projeto pretende contribuir para que o preso e sua família desenvolvam um novo processo de significação da sua realidade, partindo de uma nova perspectiva de futuro, apresentando possibilidades de reconstrução da sua identidade profissional e pessoal, revendo dessa maneira seus valores o que potencializaria seu retorno ao convívio social.A grande ironia que se verifica na prática é que os próprios indivíduos inviabilizam, através de sua resistência, a possibilidade de mudança do seu quadro social. Isso denota uma falta de comprometimento das partes envolvidas no sistema prisional: da família, do preso, da instituição prisional e também de quem define as políticas públicas que regem este sistema. Neste contexto que estamos apresentando, defini-se claramente o paradoxo que se instala na sociedade como um todo, pois ao mesmo tempo em que existe um consenso entre a maioria das pessoas de que o sistema precisa ser revisto devido a sua ineficiência, por outro lado existe também por parte da mesma sociedade uma inação instituída, que parece boicotar qualquer alternativa que apresente uma mudança significativa. Essa contradição contribui para que a situação permaneça inalterada.Neste estudo buscamos identificar os possíveis estigmas relacionados a situação de aprisionamento e estratégias de resistência utilizadas por estas famílias no cotidiano.Neste cenário, a família passa ser presença no espetáculo construído pela instituição total para sua autossustentação. As relações dos presos com seus familiares se estabelecem em um ambiente onde não existem fronteiras entre o eu o outro e a instituição, em total ausência de privacidade. Essa exposição devassa a intimidade e gera estigmas, considerando estigma um atributo depreciativo que torna uma pessoa diferente de outras que se encontram numa categoria incluída. Estas famílias deixam de ser consideradas criaturas comuns, e são colocadas numa posição de diferentes, desacreditados, portadores de anomalias (Goffman, 1988).Toda essa realidade faz-nos refletir meios de superar esses entraves sociais, que paralisam as possibilidades de mudança frente aos problemas que afetam substancialmente as relações humanas, trazendo consigo muitos sofrimentos além de alimentar um sistema produtor de violência.A superação desse modelo passa por uma reciclagem da forma como conduzimos o processo de ressocialização do preso. Essa reciclagem deveria iniciar pela definição de novas políticas públicas que dêem conta dos conflitos emergentes da reclusão, ou seja, promovendo a autonomia do sujeito, desmistificando estigmas e compreendendo a subjetividade do preso para que esses indivíduos façam uma nova significação da sua realidade, visualizando uma perspectiva de futuro."
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