quinta-feira, 4 de junho de 2009

Artigo: Mediação de Conflitos nas Prisões



A MEDIAÇÃO NAS PRISÕES





Como síntese de todos os exemplos apresentados e directamente ligados às mediações entre vítimas e agressores, começou a ministrar‐se palestras e aulas nas prisões, levando os conceitos da mediação, de abordagem pacífica dos conflitos pela cooperação e pelo respeito, de reconhecimento e de responsabilidade e, em definitivo, o conceito de participação responsável como forma de inter‐relação e de convívio.A partir destas aulas, os internos foram‐se interessando em aprofundar esta metodologia de resgate do ser humano e de resolução de conflitos pelo diálogo, o que originou a formação de mediadores internos, que passariam a oferecer os seus serviços aos colegas de prisão. Implementava‐se, assim, a mediação entre pares mais impressionante e expressiva, dadas as condições especiais, de pessoas privadas de liberdade para cumprirem a pena que lhes tinha sidoimposta pelos tribunais.A experiência mais bem sucedida que conheço é a do CERESO (Centro de Reinserção Social) da cidade de Hermosillo, no estado de Sonora, México, sem excluir outras experiências noutros países.O Instituto de Mediación de México, em conjunto com a Universidad de Sonora e com o apoio das autoridades do sistema prisional mexicano, implementou um programa de palestras sobre mediação – que abordavam os conceitos de ser humano, de relacionamento, de respeito, de cooperação, de solidariedade e de conflitos propostos pela mediação –, às quais vinha assistindo, de forma voluntária, um número cada vez maior de internos da prisão.À medida que as aulas se foram desenvolvendo, graças às condições humanas e profissionais dos oradores, foi‐se gerando um espaço de reflexão dos participantes, o que levava a que estes se interessassem cada vez mais na matéria, solicitando aos professores um aprofundamento dos conceitos e das técnicas da mediação de conflitos.A seu pedido, foram formados como mediadores alguns internos e tornou‐se necessário um local para a realização das mediações. As autoridades da prisão concederam‐no, passando a ser frequentado por aqueles que desejavam resolver pacificamente os conflitos com os seus companheiros de prisão.A partir dessa experiência, os mesmos mediadores começaram a organizar acções de divulgação do serviço que prestavam e do funcionamento da mediação em geral.Foi montada por eles mesmos uma peça de teatro, a que assistiram autoridades, guardas e internos, como forma de os incluir a todos na filosofia e nos critérios relacionais da mediação. O efeito foi excelente e a cultura da mediação começou a gerir também as relações entre os guardas e entre eles e os internos. Nos anos decorridos desde a implementação desta cultura, não se verificou nenhum assassínio (facto frequente anteriormente) nem nenhum acto de violência, para além de algumas brigas isoladas, geralmente detidas pelos próprios colegas, que logo indicam o recurso ao serviço de mediação.Em 2005 tive a oportunidade de trabalhar com estes internos, para lhes levar os conceitos da mediação para uma comunidade participativa. Eles já conseguiam atender os conflitos interpessoais que se apresentavam à mediação, mas não podiam ultrapassar as terríveis condicionantes de serem presos. Viviam de maneira muito precária e tinham sobre as suas cabeças a maldição de terem cometido delitos que marcavam o seu passado e que condicionavam o seu presente relacional com as respectivas famílias e, pior ainda, que tingia de negro qualquer visão de futuro.Sair da prisão logo depois de cumprida a pena imposta pelo Tribunal era ingressar numa realidade hostil e agressiva, onde raramente as famílias os recebiam de regresso e ninguém lhes oferecia trabalho, assim que era revelada a sua condição de ex‐condenados. Embora existissem empresas que aderiam à reserva de vagas para eles, continuavam a ser delinquentes e, perante qualquer acontecimento irregular, as suspeitas recaíam sempre sobre eles.A minha primeira pergunta, quando comecei a trabalhar com estas pessoas, foi: “quem são vocês, o que são vocês?” Não tinham resposta. Não sabiam se eram ou não cidadãos, ou se tinham perdido essa condição como consequência do delito cometido, tal o grau de exclusão vivido e vivenciado. Não podiam sequer considerar‐se seres humanos.Numa fase posterior, pedi que falassem dos problemas que viviam na prisão. Depois de os apresentarem, perguntei‐lhes sobre o que faziam ou podiam fazer para resolver esses problemas. Mais uma vez, a limitação paralisante de que nada podiam fazer pelos problemas estruturais da vida na prisão. Eles eram presos, para além do sistema social, dos preconceitos sociais e, fundamentalmente, da perda absoluta da auto‐estima. Para eles, existiam sempre limitações que os impediam de fazer alguma coisa para melhorar a qualidade de vida na prisão.Questionados sobre se as pessoas “livres”, que não estavam presas, tinham limitações, concordaram que sim, que todos tínhamos limitações na abordagem das situações da comunidade. Poder pensar, falar e discutir sobre os problemas da comunidade carcerária era o primeiro passo. Depois, poder criar opções que atendessem a possibilidade das suas acções seria o segundo.Legitimá‐los na sua identidade, na sua capacidade de transformação da realidade, era o objectivo que eu, como mediador para uma comunidade participativa, devia realizar.Os mediadores que estavam envolvidos neste projecto captaram perfeitamente o trabalho a ser desenvolvido, de diálogo com os outros internos, para os encorajar a participar, a discutir e a assumir a responsabilidade de enfrentar as questões que os impediam de viver melhor e de lhes dar soluções possíveis.Tinham assim acrescentado, ao trabalho que já realizavam com os conflitos interpessoais, o trabalho com e na comunidade, para conseguir a participação responsável de todos na análise e abordagem dos problemas da vida em comum.Soube que às mediações entre internos estão já a somar mediações entre os internos e as suas famílias. Esta é a excelente experiência de Hermosillo(2) que se está a estender a outros estados do México e a outros países da região.
EM SÍNTESE: A OPERATIVIDADE É fundamental que qualquer acção que se realize numa prisão conte com a aprovação das autoridades nacionais e do estabelecimento onde se desenvolverá a experiência.

Para tal, considero necessário:

1) Realizar uma sessão explicativa do projecto, do funcionamento do procedimento da mediação e dos seus conceitos fundamentais, para as autoridades do sistema prisional.

2) Contando com a autorização devida, realizar sessões mais desenvolvidas para as autoridades das prisões regionais, apresentando a medição, seus conceitos e o programa proposto para ser desenvolvido na ou nas prisões que solicitem os nossos serviços.

3) Depois de convocados pelas autoridades da ou das prisões que desejem implementar o programa de mediação, elaborar com estas um plano de acção que contemple a realidade da instituição.

4) Organizar encontros com os guardas, para conhecer a sua realidade, os seus problemas e, a partir daí, transmitir‐lhes os conceitos sobre conflito e abordagem dos conflitos propostos pela mediação. Também aqui é necessário enfrentar o cristalizado conceito antinómico que opõe guardas e reclusos. Sem perder a dimensão policial da função, é possível desenvolver atitudes cooperativas em que o respeito e a sensibilização consigam unir os objectivos de se alcançar uma melhor qualidade de vida que substitua o permanente alerta defensivo e agressivo.

5) Organizar encontros com os internos, para apresentar os conceitos da mediação e convidar aqueles que se mostrarem interessados a aprofundar esta matéria. Os encontros devem ser vários e espaçados, para que os internos que estiveram presentes os comentem com outros e lhes divulguem a possibilidade de também participarem.

6) Formação, para os internos que desejem participar, sobre conflitos e abordagem pacífica dos mesmos, bem como sobre comunicação, negociação, escuta, cooperação, respeito, responsabilidade.

7) Formar, como mediadores, aqueles presos que desejem actuar como mediadores internos dos seus colegas.

8) Organizar um centro de mediação, com atendimento feito pelos mediadores formados, supervisionados pelos professores.

9) Organizar acções de divulgação, realizadas pelos mesmos internos que participaram nos cursos.

10)A capacitação de mediadores para uma comunidade participativa, para convocar todos os internos a trabalhar no debate das questões que fazem a vida na prisão, e assim atender essas questões de forma satisfatória para todos os que integram a organização prisional.

11)O seguimento das actividades a serem desenvolvidas por internos e guardas, assim como dos mediadores entre pares.

12)A renovação do ciclo de aulas para principiantes, contando com a colaboração dos presos já capacitados.Este resumido esquema de acção, síntese do trabalho com organizações, com escolas, com comunidades e da experiência com prisões já apresentada, é apenas uma orientação que deve sempre atender a realidade de cada centro prisional (a das autoridades, a dos guardas e a dos internos).

É conveniente contar com o apoio das organizações governamentais e não governamentais da região e da cidade, para uma correcta divulgação do trabalho a ser realizado e assim neutralizar possíveis ataques de censura pela incompreensão do que se pretende conseguir.Também seria interessante complementar a formação em mediação com outras matérias que contribuam para o desenvolvimento pessoal dos presos, bem como para o desenvolvimento de habilidades que lhes permitam uma melhor preparação profissional para enfrentarem o retorno à sociedade.

1 Revista “Mediadores en Red”, Buenos Aires, Argentina.

2 Os responsáveis deste magnífico trabalho são o Dr. Jorge Pesqueira Leal e o Dr. Javier Vidargas, do Instituto de Mediación de México.Juan Carlos Vezzulla, Psicólogo, Mestre em Serviço Social, Doutorando em Direito e Sociologia. Co-fundador e Presidente Científico dos Institutos de Mediação e de Arbitragem do Brasil e de Portugal.Lisboa, 17 de Maio de 2009


Fonte: Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Direcção

Direcção

Mensagem de boas-vindas

"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR