segunda-feira, 7 de novembro de 2011

BRASIL:O sistema prisional brasileiro tem solução: a municipalização (III)

A descentralização da execução penal só terá efetividade com o oferecimento de condições aos municípios, para que possam participar da repartição dos tributos federais e estaduais de forma justa e equânime.

Nesta abordagem final sobre a municipalização da execução da pena, precisa ficar evidenciada a questão nevrálgica do sistema penitenciário brasileiro: a construção de presídios nos municípios. Invariavelmente, as propostas em tramitação no Congresso Nacional, indicam que os estabelecimentos penais sejam instalados, de preferência, na área rural, onde houver transporte público regular, com proibição, ainda, de construção de presídios em cidades com vocação turística, cujos estabelecimentos estejam localizados nas imediações dessas atrações. Lamentavelmente, não consideram previsão expressa, contida na Lei de Execução Penal, no que diz respeito à determinação de construção de estabelecimentos penais, em área urbana e rural, de acordo com a sua destinação (cadeia pública ou penitenciária de regime fechado ou de regime semiaberto).

Mas, há que se destacar, também, os aspectos positivos dessas propostas, como a que diz respeito à alteração da expressão “unidades prisionais de qualquer natureza” por “estabelecimento penal”, em conformidade com a Resolução nº 03, de 23/09/2005 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, que editou as Diretrizes Básicas para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais, e que revogou o disposto na Resolução nº 16, de 12/12/1994 do mesmo Conselho. Evidente que o termo deve considerar as casas de albergado, as cadeias públicas, as dependências congêneres das delegacias ou distritos policiais e de quartéis, além do estabelecimento educacional destinado à internação de adolescentes infratores como estabelecimento penal para efeito das compensações previstas.

Daí entender-se porque é importante a participação popular nesse aspecto, já que a população do município deve deliberar sobre a instalação de estabelecimento penal na localidade e participar da definição das medidas compensatórias correspondentes, quando for o caso, como já previsto no Estatuto das Cidades, prevendo que a política urbana contará com a participação popular por meio de órgãos colegiados (debates, audiências, consultas públicas entre outros instrumentos).

No entanto, como exposto no artigo anterior, a maioria dos municípios brasileiros adota posição contrária a essa tese, com o frágil argumento de que esta é uma questão de cidadania. Surpreendente, neste caso, é o fato de que Câmaras Municipais e Prefeitos estão se unindo nessa luta contra o sistema prisional no país, colocando em dúvida o fato de que os presídios geram emprego e renda para os cidadãos daqueles municípios. Chegam ao extremo de incitar a população dessas cidades a se engajar em campanhas que possam pressionar o legislativo e o executivo a desistirem de projetos arquitetônicos prisionais, sob o argumento de que, unida e bem articulada, a população desses municípios pode conseguir muito mais do que presídios. Muitas cidades promulgam leis proibindo a instalação de penitenciárias nos seus territórios, demonstrando, na prática, a rejeição da população e das lideranças políticas a esse tipo de obra, que não querem ver perto de suas casas. Há de se convir que, qualificar como exercício da cidadania a luta daquelas populações para impedirem a construção de presídios naqueles municípios mostra o perigo do uso indevido e distorcido de conceitos e institutos democráticos, construídos com muito sacrifício ao longo dos anos.

Outro aspecto merece atenção, nesta abordagem final sobre tema esquecido da literatura criminal brasileira. Sempre que se discute a necessidade de participação dos municípios brasileiros na execução da pena, invoca-se a questão das transferências constitucionais aos entes federativos. É certo que as concepções políticas e ideológicas que convergem em torno do modelo de repartição de competências no Direito Constitucional Brasileiro, revelam importante tendência de discussão desse tema à luz do Pacto Federativo de 1988.

Não sem motivo, na medida em que se verifica o recrudescimento das crises enfrentadas pelas prefeituras do país, aparecem defesas apaixonadas da urgente formulação de um novo Pacto Federativo e de uma reforma tributária, cujo núcleo essencial seria a redefinição das relações entre União, Estados e Municípios. É evidente que não se pode olvidar de que o Princípio Federativo, consagrado na Constituição Federal, estabelece em seu artigo 1º que o Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Trata-se, portanto, de princípio que constitui a base do nosso sistema jurídico, sendo forçoso reconhecer que essas entidades políticas ocupam o mesmo plano hierárquico, merecedoras de tratamento isonômico e respeitadas as definições de prioridades do governo central e dos governos locais.

É sempre importante sublinhar que a indução à municipalização da execução da pena deve considerar que os municípios precisam dispor de várias fontes de receitas, com captação de recursos financeiros necessários ao que deles se exige, para que possam participar do sistema prisional de seus territórios da forma que se espera. Muito embora a Constituição Federal brasileira tenha conferido aos entes federativos o direito de regular suas despesas, instituir e arrecadar tributos, preservando, assim, sua autonomia, reconhecidamente o município é o que recebe a menor quantidade de recursos, com clara dependência financeira da União e dos Estados, tudo isso agravado pela constante diminuição e atraso dos repasses constitucionais. Com efeito, a repartição das receitas tributárias, sendo reavaliada, poderia permitir que os municípios brasileiros tivessem participação maior no produto da arrecadação dos impostos previstos no artigo 158 da Carta Magna, bastando para isso, a apresentação da respectiva Proposta de Emenda Constitucional.

Afinal, é preciso mudar essa arcaica concepção de que se pode exigir dos municípios o cumprimento de suas obrigações nas atividades de execução da pena sem que lhes possa garantir a disponibilização de recursos financeiros suficientes para esse mister. Em síntese, a descentralização da execução penal só terá efetividade com o oferecimento de condições aos municípios, para que possam participar da repartição dos tributos federais e estaduais de forma justa e equânime. Do contrário, pode-se afirmar que a municipalização da execução da pena permanecerá no plano utópico, como ocorre com muitos dos princípios da execução penal brasileira, com reflexos desastrosos no processo de reinserção social do preso.

Precisamos romper com a inércia que favorece a delinqüência e acaba punindo toda a sociedade.

FONTE

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Mensagem de boas-vindas

"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR