sexta-feira, 3 de julho de 2009

Reclusos viram agricultores para alimentar os pobres

Reinserção social de reclusos e cultivo do espírito solidário são a essência do "Horta Solidária". Projecto que está a ser desenvolvido em cinco estabelecimentos prisionais e que permite alimentar a população mais pobre.
Alto, tão musculado que os peitorais e os bíceps não cabem na t-shirt apertada, cabelo rapado à máquina zero e um caminhar desafiante. Luís M. tem poucas características físicas associadas à imagem do típico agricultor português - isto para não dizer 'nenhumas'. Na verdade, aos 34 anos, o recluso do Estabelecimento Prisional de Setúbal (EPS) ainda conserva aquele aspecto intimidatório de segurança das casas de diversão nocturna.
Mas as aparências iludem. Neste momento, Luís é, não só, o melhor horticultor da Quinta da Várzea - uma área agrícola de 24 hectares cedida pelo Ministério da Agricultura ao EPS -, como ainda mereceu ser escolhido para capataz dos sete companheiros reclusos que participam no "Horta Solitária". Um programa resultante de uma parceria entre a Direcção-geral dos Serviços Prisionais e Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares e que está a ser aplicado em outros quatro presídios, além de Setúbal: Santa Cruz do Bispo, Leiria, Alcoentre e Pinheiro da Cruz.
Batatas, couve, tomates e curgetes são as quatro espécies leguminosas produzidas pelos reclusos e depois distribuídas pela população mais desfavorecida, através do Banco Alimentar contra a Fome de Setúbal. Segundo Teresa Almada, responsável pelo projecto no EPS, cerca de 22 toneladas de legumes saíram, até ontem, da Quinta da Várzea. Até ao final da época das colheitas, o projecto poderá produzir 400 toneladas de alimentos nos cinco estabelecimentos.
Agricultura é hipótese
"Nunca tinha trabalhado no campo mas isto é muito melhor que estar fechado lá em cima (EPS)", admitiu Sebastião M., oriundo do Monte da Caparica, a quem faltam cumprir pouco mais de cinco meses de uma pena de seis anos de prisão por tráfico de droga.
Além da autonomia de movimento permitida pelo trabalho ao ar livre, os oito reclusos ganham diariamente cinco euros pela horticultura, enquanto os que se encontram nos pavilhões do presídio no centro da cidade auferem menos três euros. "Estou com 32 anos e nunca pensei fazer estas coisas. Só que a pessoa tem de se sujeitar a isto, não é? Quem sabe se ainda não me vou tornar agricultor?", atirou Sebastião, enquanto passava ao seu lado, no meio do tomatal, o ministro da Justiça, Alberto Costa, que visitou ontem o espaço para elogiar pessoalmente os reclusos e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais pelo projecto.
Tiago M. não sabia que comitiva era aquela. Verdade seja dita: o recluso de 24 anos só ali estava a arrancar umas ervas daninhas e pela primeira vez. "Eles não pertencem ao grupo", alertou um dos guardas. Ainda assim, a cumprir uma pena por ter sido apanhado a conduzir sem carta (várias vezes), Tiago aproveitou a oportunidade de ali estar. "Se a senhora me pudesse ajudar a ter o 9º ano, é que o 7º já eu tenho…", pediu a Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar.
"Esta é uma maneira de vocacionarmos o sistema prisional no sentido da reinserção e de os seus reclusos terem manifestações de solidariedade e de identificação com as necessidades sociais", admitiu, no final da visita, Alberto Costa.


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Direcção

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Mensagem de boas-vindas

"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR