sexta-feira, 23 de julho de 2010

BRASIL:A ressocialização dos presos através da educação profissional

A importância de fornecer uma educação profissional aos presos enquanto cumprem pena como mecanismo de ressocialização quando egressos do sistema penitenciário.
14/jul/2010

Elke Castelo Branco Lima elkecbl@hotmail.comVeja o perfil deste autor no DireitoNet
O presente estudo tem por fim diagnosticar como deve ser conduzido o processo de ressocialização dos presos através da educação profissional dentro do sistema penitenciário brasileiro. A Constituição Federal prevê expressamente a responsabilidade do Estado perante todos os cidadãos, garantindo-lhes direitos e deveres fundamentais, abrangendo também a população prisional que ingressa no sistema penitenciário. A estes condenados, devem ser proporcionadas condições para a sua integração social dentro das penitenciarias, visando a não violação de seus direitos que não foram atingidos pela sentença.
Justifica-se este estudo na busca de indicar para a sociedade e para os presos que o melhor caminho para a reinserção social e profissional dos mesmos está na educação, pois a maioria deles não teve nem a oportunidade de estudar antes de entrar para o mundo do crime.
2.DIREITOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS
Inicialmente o Estado através das penitenciárias materializa o direito de punir todos aqueles que praticam uma infração penal, mas o que se observa é que o sistema prisional não obtém êxito satisfatório no emprego de suas sanções, em virtude da falta de estrutura carcerária que comporte o número cada vez maior de condenados.
Em decorrência desta falta de estrutura, tem-se violado a dignidade humana, e sabe-se que a dignidade humana é denominada fundamental porque trata de situações sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive.
A dignidade humana engloba várias outras garantias do texto constitucional como à vida inclusive dos que estão cumprindo pena por terem cometido conduta reprovável em sociedade. De acordo com o Pacto internacional sobre direitos civis e políticos no Art. 2°: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”
Outro direito fundamental violado é a integridade física e moral, descrita na Constituição Federal, Art. 5°, XLIX , no qual de forma expressa assegura o respeito à integridade física e moral aos presos e aos cidadãos. A CF ainda é mais especifica quando garante no mesmo artigo, inciso III: “ Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. A pena prisional deveria restringir apenas o direito de ir e vir, visando mais do que a simples sanção diante de um crime praticado, mas a recuperação e a reinserção plena do indivíduo no meio social.
A pena é na realidade uma resposta punitiva estatal de um crime e deve guardar proporção com o mal infligido na sociedade, isto é, deve ser proporcional à extensão do dano. De acordo com Cesare Beccaria (1998, p.162-163): “para que toda a pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão particular, deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos, fixadas pelas leis.”.
O Art. 5°, XLVI da CF exige a individualização da pena como forma de garantir que a sanção deve ser aplicada de acordo com a gravidade do delito. É de suma importância que o sentimento de vingança de quem foi vítima do delito não se confunda com a proporcionalidade da sanção a ser aplicada, pois qualquer excesso de severidade torna a pena supérflua.
3. Considerações sobre a execução penal no Brasil
A Lei de Execução Penal n° 7.210 de 1984 (LEP), ao ser criada, representou um avanço na legislação, pois passou a reconhecer o respeito aos direitos dos presos e assim previu um tratamento individualizado. Esta lei não visou apenas à punição dos presos, mas também a ressocialização dos condenados.
Acontece que o ambiente carcerário é um meio falido para reabilitar o recluso devido às condições materiais e humanas das prisões que impedem a realização do objetivo reabilitador, e se o ordenamento jurídico possui a LEP como um dos únicos meios legais para cumprir esta função ressocializadora é necessário que esta função seja cumprida nos sistema carcerário brasileiro.
3.1 Objeto e aplicação da LEP n° 7.210/84
O Art. 1° da Lei de Execução Penal tem duas finalidades: a primeira é a correta efetivação do que dispõe a sentença ou decisão criminal, “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal”; e a segunda é instrumentalizar os meios que podem ser utilizados para que os apenados possam participar da integração social, “e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. O outro escopo apontado pela lei é promover a reintegração social do condenado.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p.32): “A justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas realiza-se principalmente na execução”. E a lei de execução foi criada para garantir aos condenados que todos os seus direitos não atingidos pela sentença estariam assegurados e a inobservância desses direitos significaria a imposição de uma pena suplementar não revista em lei.
As formas de assistência aos presos de acordo com o Art. 11 da LEP são: “material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”, aduz, com este artigo que a reabilitação social constitui uma finalidade do sistema de execução penal e que os presos devem ter o direito aos serviços obrigatoriamente oferecidos pelo Estado dentro das penitenciárias, mas o enfoque maior a ser visto será o enfoque educacional.
O Art. 17 da LEP: “assegura que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”. A educação é tão importante que a própria Constituição Federal no art.205, reza que a educação é um direito de todos e dever do Estado e deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa e assim a qualificando para o trabalho.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p.120) cita em suas obras: “que a habilitação profissional é uma das exigências das funções da pena, pois facilita a reinserção do condenado no convívio familiar e social a fim de que ela não volte a delinquir.”
É importante considerar que a maioria dos presos hoje são reflexos de uma má educação social, isto é não tiveram oportunidade de frequentar escolas sejam públicas ou até mesmo privadas, e, diante desta realidade, acaba sendo através da delinquência que se constrói suas personalidades, e assim passam a cometer crimes, já que desconhecem o que é moral ou imoral, pois a orientação destes princípios é fundada na educação. É importante salientar que a profissionalização de detentos facilita a reintegração ao mercado de trabalho, pois assim eles aprendem um ofício que poderá ter continuidade quando for egresso do sistema penitenciário.
A Lei de Execução Penal tem a finalidade de recuperar o preso e através do trabalho, estudo e regras básicas de cidadania podendo-se chegar a uma solução tanto para prepará-los ao mercado de trabalho, como para preencher as horas de ociosidade dentro dos presidiários.
3.2 O ócio prisional
A palavra ócio significa horas vagas, descanso e tranquilidade, possuindo também sentido de ocupação suave e prazerosa. Este tempo ociosos o qual faz parte do cotidiano das penitenciárias poderia ser utilizado de forma a oferecer ao condenado condições para o retorno à sociedade através da educação, trabalho e regras de convívio harmonioso dentro da mesma, evitando que eles utilizem este “tempo” para arquitetar novos crimes, alimentar sentimentos de raiva e de vingança para com a sociedade, aliar-se a elementos de alta periculosidade, planejar as rebeliões e fugas dos presídios, assim reincidindo na prática criminosa quando postos em liberdade.
O trabalho e a educação retiram os condenados do ócio, o qual é prejudicial a todo o sistema prisional e a sociedade. O Ex- Ministro Francês André Malraux (2009, on line) dizia : “A esperança dos homens é a sua razão de viver e de morrer”. Daí a importância de educar os presos e garantir uma atividade laboral para que eles saibam que ao reingressarem na sociedade poderão também voltar ao mercado de trabalho de acordo com as funções os quais tiveram oportunidade de se capacitar durante o período em que estiveram recolhidos para cumprimento da pena.
Segundo Domenico de Masi, em sua obra “O ócio criativo”, ele aborda a essencialidade de educar através do tempo livre, isto é através de atividades lúdicas e culturais leva-se ao ócio inteligente, no qual se pode transformar esta ocasião em um momento de crescimento intelectual. Pode até parecer estranho esta analogia no que se refere à vida que se tem dentro dos presídios, mas se realmente fosse adotado a filosofia de ensinar um ofício a estes detentos de maneira que eles pudessem sentir prazer em ler e pensar,de onde poderiam até surgir idéias salutares a serem implantadas dentro da realidade prisional e assim se sentiriam mais úteis.
Diante do exposto percebe-se que estas atividades de educar para pensar também se encontram inseridas dentro da Lei de Execução Penal no Art. 28: “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”, no qual será levado em consideração as habilidades e condições pessoais de cada detento para produzir de acordo com sua capacidade física ou mental.
4. A Ressocialização dos presos através do trabalho
No sistema prisional brasileiro as atividades exercidas pelos detentos não configuram uma atividade capaz de formar indivíduos preparados para retornar ao convívio social, pois eles não são educados para adquirir conhecimento técnico necessário à reinserção social. É preciso reorganizar a forma de aplicação do trabalho, devendo alem de ocupar o tempo ocioso, preparar e oportunizar esses sujeitos para escolhas mais conscientes e transformadoras. O estudo e o trabalho devem ser incentivados através de parcerias ou convênios com empresas públicas ou privadas com objetivo da formação profissional dos condenados conforme Art. 34 da LEP. Vale salientar que o estudo é uma atividade laborativa intelectual.
O conceito de ressocialização de detentos, pelo trabalho e pela qualificação profissional, com o propósito de prepará-los ao reingresso social, baseia-se na afirmação de que o trabalho é fonte de equilíbrio na nossa sociedade e também é agente ressocializador nas prisões do mundo todo. Através do trabalho, os indivíduos garantem equilíbrio e melhor condicionamento psicológico, bem como melhor comprometimento social. Ensinar um ofício enquanto cumprem a pena é a maneira mais eficaz para ressocializar os presos.
O Art. 41, inciso II da LEP, dispõe que é direito do preso à atribuição do trabalho e sua remuneração, à jornada de trabalho deve ser igual ou próxima daquela exercida em trabalho livre, assim, não será inferior a seis, nem superior a oito horas conforme estabelece o Art. 33 da Lei de Execução Penal. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o Art. 28, § 2º da LEP, mas deve-se salientar que o trabalho deve ser remunerado, cujo valor não será inferior a três quartos do salário mínimo, e esta remuneração deve atender à reparação do dano causado pelo crime, assistência à família, pequenas despesas pessoais.
A Lei de Execução Penal em seu Art. 34 afirma que o trabalho do preso poderá ser gerenciado por fundação ou empresa pública, com autonomia administrativa e terá por objeto a formação profissional do condenado. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina. Para o alcance do benefício do trabalho externo pelo apenado que esteja em regime semi-aberto, deve-se cumprir um sexto da pena que lhe foi imposta.
O trabalho prisional gera ao preso o direito da remissão da pena, isto é, o condenado pode reduzir pelo trabalho o tempo de duração da pena privativa de liberdade. De acordo com a LEP, Art. 126 parágrafo 1°, a cada três dias trabalhado é remido um dia da pena. A remissão é um estímulo para abreviar o cumprimento da sanção e assim alcançar a liberdade condicional ou definitiva. Para Maria da Graça Morais Dias apud MIRABETE (2007, p.517) a remissão trata-se de um instituto completo “pois reeduca ao delinqüente, prepara-o para sua incorporação à sociedade, proporcionando meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade, favorece a sua família e, sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao próprio esforço do apenado.”
Ao oferecer uma formação profissional como direito do preso ou como dever do Estado pode-se qualificá-lo profissionalmente, principalmente se o ilícito que levou a cumprir a pena tenha
sido conseqüência de não habilitação educacional ou profissional, pois assim facilita um futuro para o egresso mais favorável a reinserção social, e ainda previne a reincidência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A verdade é que o Estado não trata o preso como um ser humano, mas como uma coisa. O Estado e a sociedade deveriam se juntar na perspectiva de recuperar aquele indivíduo, já que é sempre possível recuperá-lo. Neste sentido é que existe uma série de mecanismos a disposição do Estado e que devem ser utilizados na busca de ressocializar o preso, porém esses mecanismos de reabilitação do preso, como a educação, atividades laborais que a própria lei de execução penal prevê não são colocadas em prática com a intensidade que deveriam ter e a sociedade, por sua vez, o condena e o exclui, não lhe dando qualquer oportunidade de reabilitação quando ele torna-se egresso do sistema prisional.
De quanto se viu até agora, pode-se deduzir que a cadeia é a verdadeira universidade do crime e a prisão atinge o condenado ou preso em sua integridade física e moral. O ócio que impera nos presídios é o constante convite para aqueles delinquentes de maior gravidade persistir no mundo enganoso do ilícito. A realidade prisional merece sofrer uma transformação, sob pena de perpetuar-se no fracasso a que se destina. Assim, entende-se que o trabalho e a educação de qualidade precisam ser urgentemente inseridos, formal e eficientemente, no interior dos estabelecimentos prisionais, dando uma perspectiva ao recluso que ao cumprir sua pena poderá exercer uma atividade laboral digna na sociedade.
O drama penitenciário é muito preocupante e necessita de ações governamentais urgentes. O trabalho, como fator educativo, se transformaria em lucros sociais, além de reaproximar o sentenciado da sociedade e da sua família.
Educar o homem é a medida mais apropriada e eficaz para o seu progresso e desenvolvimento enquanto indivíduo e ser social. Inserir o homem no mercado de trabalho é proporcionar-lhe as condições para viver dignamente no meio social.
Neste caso, é imperioso que o Estado construa penitenciárias dotadas de bibliotecas, promova palestras e debates, crie postos de trabalhos não apenas para ocupar o tempo do preso, mas para ensinar-lhe uma profissão que propicie seu exercício tão logo readquira sua liberdade. Não parece difícil a aplicação dessas medidas, bastando, para tanto, vontade política dos responsáveis pela implementação de políticas públicas, pois projetos e programas já existem, basta aperfeiçoá-los e colocá-los em pratica.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Lei n.º 7.210, de 11 de Julho de 1984. Código de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1998.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. 5. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
MIRABETE, Julio Fabbini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR