Trata de dispositivos dogmáticos que versam diretamente sobre os direitos humanos. A partir desta proposta, será sopesado se no plano de justificação os propósitos legislativos efetivamente estão sendo cumpridos em favor da sociedade brasileira.
16/fev/2010
Hugo Rios Bretas
hugorios.bretas@bol.com.brVeja o perfil deste autor no DireitoNet
ANÁLISE CRÍTICA E DOUTRINÁRIA
É legítimo iniciar o presente trabalho, afirmando que é indubitavelmente uma árdua tarefa constatar se efetivamente temos em nosso meio a respeitabilidade plena aos direitos humanos.
Para que nós cheguemos a uma premissa minimamente aceitável acerca da concretização dos preceitos que norteiam os direitos humanos, é mister que façamos um pensar reflexivo em relação a inúmeros estudos doutrinários jurídicos e sociológicos já realizados em nosso contemporâneo mundo acadêmico.
Assim sendo, em caráter introdutório, explanamos que a realidade que nos deparamos é absolutamente estarrecedora. Dados recentes de fontes amplamente confiáveis, divulgam que o Brasil apresenta aproximadamente trinta e oito milhões de indivíduos que se encontram vivendo em condições próximas da linha da miséria. Após observamos tais dados, ficamos instantaneamente estupidificados. Neste tocante, o estarrecimento é verdadeiramente justificado, sobretudo quando reparamos na obra de direitos humanos de Fernando Jayme, quando este nos cita a Declaração do Milênio(Resolução 55/2 da Assembléia Geral da ONU), que estabelece os seguintes propósitos:
haver a erradicação da pobreza e da fome, a universalização do acesso à educação primária, a promoção da igualdade, a redução da mortalidade infantil, a melhoria da saúde materna, a promoção da igualdade entre os gêneros, o combate à Aids, malária e outras doenças, a sustentabilidade ambiental, o desenvolvimento de parcerias para o desenvolvimento.
Neste instante de nossa reflexão, indagamos acerca do real cumprimento e busca pela concretização de tais preceitos. Ora, lamentavelmente sabemos que tais preceitos ainda representam, por certo, uma realidade distante de nosso País. Haja vista que, parece não haver vontade política para que convertamos a maior parte de nosso orçamento em obras sociais. Por sabermos também, que o índice de práticas fraudulentas em desfavor do objeto jurídico administração pública, são por demais elevados e constantes.
Vejamos que buscar a concretização do preceito que dispõem acerca da obtenção da erradicação da pobreza, parece não ser uma busca notável dos representantes do sofrido povo brasileiro.
Sabemos que a doutrina, mui bem explana sobre a classificação de nossa constituição, e o posicionamento da doutrina é que nossa Constituição é programática. Isto é, o que temos disposto em dados momentos de nossa Constituição denotam um propósito, que não necessariamente será cumprido em caráter imediato. Em relação a esses dispositivos programáticos, notamos que estes doutrinariamente demonstram que o anseio é de haver o cumprimento em um dia, no futuro. Preceitos nitidamente programáticos podem ser vislumbrados os que constam no seguinte artigo da Constituição Federal:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
construir uma sociedade livre, justa e solidária
garantir o desenvolvimento nacional
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Apenas para sopesar mais um tese, afirmo que efetivamente não deve haver preconceito de sexo no Brasil, contudo é preocupante saber que as mulheres no ano de 2006, empiricamente, ganham menos do que os homens no que tange o mercado de trabalho e necessitam de apresentar uma escolaridade superior à escolaridade dos homens, para obter um ordenado equiparado.
Ora, buscar a concretização de preceitos como os que foram anteriormente exteriorizados seria buscar a própria concretização dos direitos humanos.
Prosseguindo neste momento sobre a “programaticidade ” de nossa Constituição, observamos que seguramente no Brasil estamos absolutamente distantes de sedimentar preceitos tão relevantes quanto a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Por esta razão, não é amplamente errôneo discursar que estamos portanto, distantes de obter uma plena concretização da humanidade em nosso País.
Prosseguindo em nossa reflexão crítica, vejamos o que se configura no Brasil no tocante as prisões especiais. No tocante ao artigo 295, é notório que somente os indivíduos que portam as seguintes características, têm acesso a prisão especial:
Os ministros de Estado, os delegados, os oficiais das forças armadas, os membros do Parlamento, entre outros.
E no parágrafo primeiro deste mesmo suporte fático abstrato, fundamenta-se que a cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.
Acerca disto, o primeiro comentário que faremos se ampara no fato de que a análise para a concessão da prisão especial, não deveria ser especificada tão-somente para alguns de acordo com suas condições existenciais e sim para todos os cidadãos, de maneira compatível aos anseios dos direitos humanos. E por certo, não se deve avaliar dado cargo, ou dada condição histórica para se conceder uma condição especial.
Mas, verdadeiramente como pensa Guilherme Nucci, deve-se analisar a condição de razoabilidade, como propriamente dos militares, tendo em vista que se estes se encontrarem em prisões comuns, serão possíveis vítimas de vinganças. Portanto, é plausível que estes se encontrem, por racionalidade, em celas distintas. Deste modo, a prisão especial não deveria se concedida avaliando o cargo. Este pensamento de nosso Código de Processo é deveras retrogrado e deveras equivocado.
Sobre o artigo anteriormente dito, desejamos também fazer uma outra reflexão. Notemos que se estabelece como característica de cela especial, haver aeração ou haver insolação, ou até mesmo haver requisitos de salubridade do ambiente. Assim, indago:
Não deveria ser uma condição destinada a todas as penitenciárias, casa de albergado, colônias agrícolas?
A resposta é óbvia, em razão do fato de que temos intrínseco conosco que isto é o mínimo que se pode exigir. Para que um ser humano possa se alojar e passar parte do tempo de sua vida.
Para que continuemos com a nossa tese sobre as previsibilidades jurídicas, em relação às condições de cumprimento da pena em nosso País. Para isto, relatamos o artigo 87 da lei 7.210 de 1984, que dispõem:
A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. Também destacamos o artigo 88 da mesma lei, que nos ilustra o seguinte dispositivo:
“O condenado será alojado em cela INDIVIDUAL que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. “
Para aumentar o nosso espanto, externamos o parágrafo único, que fundamenta:
“ São requisitos básicos da unidade celular:
salubridade do ambiente pela concorrência de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.”
Permita-me parar a dissertação das alíneas para questionar um ponto: Condições de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana não eram características vinculadas a prisão especial?
Agora vemos claramente que essas características não são especiais e sim características que devem ser concedidas a quem se encontre cumprindo pena em penitenciária ou esteja em prisão especial. Por isto, tais características, enfatizo, deveriam ser concedidas para todos os detentos ou reclusos, com sentença transitada em julgado ou em caráter tão provisório. Haja vista a necessidade premente que sempre deveríamos ter em mente, no sentido de concretizar a humanidade no País.
Continuamos com as alíneas:
“área mínima de 6 metros quadrados.”
Acrescentamos o artigo 89:
“ Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa.”
Ora, é fundamental dissertar que de fato esses dispositivos não são concretizados no País. O que nos leva a concluir que o preceito primário é bem intencionado, do ponto-de-vista dos direitos humanos, todavia o mundo real é amplamente sombrio e distante dos preceitos primários.
Apenas para constatar que o mundo real é uma demonstração fática de que não há o cumprimento dos preceitos, relatamos o que o autor Drauzio Varella menciona sobre uma experiência que teve na estação carandiru:
Voltei ao pavilhão quatro. O elevador estava quebrado, subi as escadas até o quinto andar, segui o corredor e saí da enfermaria. Era uma galeria com doze celas de um lado e dez do outro, uma copa no fundo à esquerda, um banheiro grande com mais azulejos despregados do que assentados na parede e três chuveiros elétricos, dos quais apenas um esquentava.
É legítimo lembrar que como reflexo inegável dos direitos humanos, temos no artigo 5º uma previsibilidade importante:
"XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral"
Vejamos mais um parecer de Drauzio Varella acerca das condições de determinados presídios, para se constatar o desrespeito aos direitos humanos em períodos verdadeiramente atuais:
Nos grandes xadrezes coletivos, como os de Triagem, com sessenta, setenta pessoas, as camas são substituídas por colchonetes de espuma de borracha, dispostos lado a lado no chão. A redução do espaço pode ser tal que os homens dormem invertidos, os pés de um no rosto do companheiro.
Não é impertinente perguntar: Há como mencionarmos que está havendo a solidificação da concessão de dignidade e respeito aos indivíduos?
As preocupações persistem em minha mente, e por isto salientarei acerca das situações dos presídios no País. Desta maneira, externo a conclusão que cheguei acerca da estrutura em geral de nossos presídios é muito bem exposta na obra vigiar e punir do nobre autor Michel Foucault, quando externa o que seria um suplício:”É um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”.
E verdadeiramente a configuração que se tem hoje para os reclusos ou detentos é via de regra de mais absoluto suplício.
É indiscutivelmente fundamental haver sempre a conscientização de que a aspiração teórica para a existência de penas no País, é para que haja ressocialização. Praticando portanto, todas as atividades fundamentais para que seja possível o cumprimento digno da pena e novamente inserindo este recluso ou detento em uma sociedade, ao menos em tese, civilizada. E de acordo com os tratamentos que esta incalculável população carcerária recebe, torna-se um sonho irrealizável concretizar a generalizada ressocialização.
Acerca da efetivação da humanidade nos presídios, vejamos o parecer de Nilo Batista para se alterar as anomalias existentes nestes “recintos” de cumprimento de pena, primeiro ele faz a seguinte alerta sobre a superpopulação: “ A questão da superpopulação é considerada a mais grave de todas, raiz e seiva de diversas outras- representam, como o relatório registra, um desempenho insatisfatório da instituição penitenciária e uma advertência contra as penas curtas de prisão: trata-se de não lançar na esteira de produção dessa fábrica de criminosos quem tenha qualquer possibilidade de ver-se punido mediante uma alternativa penal”
E posteriormente nos faz a seguinte proposição:
O remédio proposto para a superpopulação é audacioso e criativo, à altura da doença: numerus clausus e vigilância eletrônica. Traduzindo: se uma penitenciária foi projetada para a convivência de 500 presos, quando chega a 501, a administração tem que escolher um entre os internos com melhor prognóstico de adaptabilidade social, e impor-lhe um domicílio vigiado eletronicamente.
Brevemente relato que esta é uma solução nobilitante, todavia uma prática que dificilmente será posta em prática no Brasil.
Abordando um outro ponto estarrecedor para nós, o que constatará que hoje o Brasil se encontra absolutamente distante dos nortes almejados no âmbito dos Direitos Humanos. Este ponto estarrecedor trata-se da observância de uma constância muito profunda do crime de redução análoga a condição de escravos. Ora, é inelutavelmente concreto que este delito existe com uma freqüência não muito ínfima. Portanto, julgamos importante tratá-lo com algum vagar.
A nossa preocupação maior é por sabermos que quando atinge-se o ponto de uma pessoa natural se dirigir a um local ermo, sem saber das reais condições contempladas, para trabalhar sem nenhum regimento, já denota uma ignorância e alienação tão exacerbada que já escancara o absurdo para o princípio da humanidade. Assim sendo, sabe-se que estas pessoas desamparadas, excluídas por completo da sociedade, desprovidas de direitos sociais e fundamentais, sem a mínima condição de sustentabilidade, vivendo em condições sub-humanas e sem acesso ao que há de mais básico, já nos transmite uma melancolia incalculável.
E posteriormente, essas pessoas objetivam tão-só se alimentar, mas são exploradas, visto que necessitam de contrair empréstimos extremamente onerosos para ter acesso aos instrumentos que usarão para concretizar o INSALUBRE trabalho braçal. Como se não bastasse, o salário ínfimo que estas obtêm já as impede de almejar algo melhor e de poder pagar um dia a dívida que são obrigados a contrair. Por isto, se configura um inadimplemento eterno e inaceitável por parte desses trabalhadores assustadoramente explorados.
Desta maneira, este eterno inadimplemento desses trabalhadores provoca um vínculo irrevogável entre os exploradores e os explorados. Haja vista que, literalmente há uma prisão em face dos explorados trabalhadores. Para incrementar a exploração, ainda se tem a prática de uma exagerada alienação da informação para estes cidadãos, que verdadeiramente ficam incomunicáveis, sem acesso a quaisquer veículos de comunicação e tampouco telefone para efetuar a noticia de crime. Sabe-se também que o local é sobremodo ermo, e este fato dificulta a sabedoria de pessoas alheias a este local da real prática criminosa.
É necessário ressaltar, que caso estes trabalhadores objetivem empreender fuga ou uma rebelião, o capataz irá impedir o êxito da ação proletária.
Portanto, a conduta torpe é muito bem arquitetada e propícia para a geração de lucros.
Em remate, é certo que estes criminosos são responsáveis pela geração de uma sangria irremediável na vida desses pobres explorados trabalhadores.
Por este motivo, sabendo que este fato ainda existe no Brasil, é indubitável que estamos diante de uma realidade lastimável no universo dos direitos humanos.
CONCLUSÃO
Conclui-se este reflexivo trabalho, propalando que é lamentável nos deparamos com a nua e crua configuração do quadro social brasileiro. Ao observarmos estas configurações, apresentamos uma concentração de sentimentos, notadamente de melancolia, vergonha, raiva e preocupação. E inelutavelmente, nos surpreendemos com um sentimento de incapacidade para tentar arquitetar soluções procedentes para alterar esta dolorosa realidade.
Todavia, é necessário sempre se ter em mente, que nós operadores do direito quando reparamos uma desfavorabilidade tão incalculável, tão-somente ratificamos o árduo papel que temos perante a sociedade. Haja vista que, a necessidade é premente para que façamos justiça e concretizemos os utópicos objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Por fim, é mister sopesar que todos os cidadãos devem sempre buscar a concretização dos preceitos de nosso ordenamento jurídico, para que desta forma consigamos ao menos minimamente, apresentar uma realidade mais aceitável e menos deplorável no que tange os direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
-BRASIL; PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia. Código de processo penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
-BRASIL, Código Penal, decreto-lei 2.848. Atualizado e acompanhado de legislação complementar, súmulas e índices, 19ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004A.
BRASIL; OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela corte interamericana de direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
ANÁLISE CRÍTICA E DOUTRINÁRIA
É legítimo iniciar o presente trabalho, afirmando que é indubitavelmente uma árdua tarefa constatar se efetivamente temos em nosso meio a respeitabilidade plena aos direitos humanos.
Para que nós cheguemos a uma premissa minimamente aceitável acerca da concretização dos preceitos que norteiam os direitos humanos, é mister que façamos um pensar reflexivo em relação a inúmeros estudos doutrinários jurídicos e sociológicos já realizados em nosso contemporâneo mundo acadêmico.
Assim sendo, em caráter introdutório, explanamos que a realidade que nos deparamos é absolutamente estarrecedora. Dados recentes de fontes amplamente confiáveis, divulgam que o Brasil apresenta aproximadamente trinta e oito milhões de indivíduos que se encontram vivendo em condições próximas da linha da miséria. Após observamos tais dados, ficamos instantaneamente estupidificados. Neste tocante, o estarrecimento é verdadeiramente justificado, sobretudo quando reparamos na obra de direitos humanos de Fernando Jayme, quando este nos cita a Declaração do Milênio(Resolução 55/2 da Assembléia Geral da ONU), que estabelece os seguintes propósitos:
haver a erradicação da pobreza e da fome, a universalização do acesso à educação primária, a promoção da igualdade, a redução da mortalidade infantil, a melhoria da saúde materna, a promoção da igualdade entre os gêneros, o combate à Aids, malária e outras doenças, a sustentabilidade ambiental, o desenvolvimento de parcerias para o desenvolvimento.
Neste instante de nossa reflexão, indagamos acerca do real cumprimento e busca pela concretização de tais preceitos. Ora, lamentavelmente sabemos que tais preceitos ainda representam, por certo, uma realidade distante de nosso País. Haja vista que, parece não haver vontade política para que convertamos a maior parte de nosso orçamento em obras sociais. Por sabermos também, que o índice de práticas fraudulentas em desfavor do objeto jurídico administração pública, são por demais elevados e constantes.
Vejamos que buscar a concretização do preceito que dispõem acerca da obtenção da erradicação da pobreza, parece não ser uma busca notável dos representantes do sofrido povo brasileiro.
Sabemos que a doutrina, mui bem explana sobre a classificação de nossa constituição, e o posicionamento da doutrina é que nossa Constituição é programática. Isto é, o que temos disposto em dados momentos de nossa Constituição denotam um propósito, que não necessariamente será cumprido em caráter imediato. Em relação a esses dispositivos programáticos, notamos que estes doutrinariamente demonstram que o anseio é de haver o cumprimento em um dia, no futuro. Preceitos nitidamente programáticos podem ser vislumbrados os que constam no seguinte artigo da Constituição Federal:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
construir uma sociedade livre, justa e solidária
garantir o desenvolvimento nacional
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Apenas para sopesar mais um tese, afirmo que efetivamente não deve haver preconceito de sexo no Brasil, contudo é preocupante saber que as mulheres no ano de 2006, empiricamente, ganham menos do que os homens no que tange o mercado de trabalho e necessitam de apresentar uma escolaridade superior à escolaridade dos homens, para obter um ordenado equiparado.
Ora, buscar a concretização de preceitos como os que foram anteriormente exteriorizados seria buscar a própria concretização dos direitos humanos.
Prosseguindo neste momento sobre a “programaticidade ” de nossa Constituição, observamos que seguramente no Brasil estamos absolutamente distantes de sedimentar preceitos tão relevantes quanto a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Por esta razão, não é amplamente errôneo discursar que estamos portanto, distantes de obter uma plena concretização da humanidade em nosso País.
Prosseguindo em nossa reflexão crítica, vejamos o que se configura no Brasil no tocante as prisões especiais. No tocante ao artigo 295, é notório que somente os indivíduos que portam as seguintes características, têm acesso a prisão especial:
Os ministros de Estado, os delegados, os oficiais das forças armadas, os membros do Parlamento, entre outros.
E no parágrafo primeiro deste mesmo suporte fático abstrato, fundamenta-se que a cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.
Acerca disto, o primeiro comentário que faremos se ampara no fato de que a análise para a concessão da prisão especial, não deveria ser especificada tão-somente para alguns de acordo com suas condições existenciais e sim para todos os cidadãos, de maneira compatível aos anseios dos direitos humanos. E por certo, não se deve avaliar dado cargo, ou dada condição histórica para se conceder uma condição especial.
Mas, verdadeiramente como pensa Guilherme Nucci, deve-se analisar a condição de razoabilidade, como propriamente dos militares, tendo em vista que se estes se encontrarem em prisões comuns, serão possíveis vítimas de vinganças. Portanto, é plausível que estes se encontrem, por racionalidade, em celas distintas. Deste modo, a prisão especial não deveria se concedida avaliando o cargo. Este pensamento de nosso Código de Processo é deveras retrogrado e deveras equivocado.
Sobre o artigo anteriormente dito, desejamos também fazer uma outra reflexão. Notemos que se estabelece como característica de cela especial, haver aeração ou haver insolação, ou até mesmo haver requisitos de salubridade do ambiente. Assim, indago:
Não deveria ser uma condição destinada a todas as penitenciárias, casa de albergado, colônias agrícolas?
A resposta é óbvia, em razão do fato de que temos intrínseco conosco que isto é o mínimo que se pode exigir. Para que um ser humano possa se alojar e passar parte do tempo de sua vida.
Para que continuemos com a nossa tese sobre as previsibilidades jurídicas, em relação às condições de cumprimento da pena em nosso País. Para isto, relatamos o artigo 87 da lei 7.210 de 1984, que dispõem:
A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. Também destacamos o artigo 88 da mesma lei, que nos ilustra o seguinte dispositivo:
“O condenado será alojado em cela INDIVIDUAL que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. “
Para aumentar o nosso espanto, externamos o parágrafo único, que fundamenta:
“ São requisitos básicos da unidade celular:
salubridade do ambiente pela concorrência de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.”
Permita-me parar a dissertação das alíneas para questionar um ponto: Condições de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana não eram características vinculadas a prisão especial?
Agora vemos claramente que essas características não são especiais e sim características que devem ser concedidas a quem se encontre cumprindo pena em penitenciária ou esteja em prisão especial. Por isto, tais características, enfatizo, deveriam ser concedidas para todos os detentos ou reclusos, com sentença transitada em julgado ou em caráter tão provisório. Haja vista a necessidade premente que sempre deveríamos ter em mente, no sentido de concretizar a humanidade no País.
Continuamos com as alíneas:
“área mínima de 6 metros quadrados.”
Acrescentamos o artigo 89:
“ Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa.”
Ora, é fundamental dissertar que de fato esses dispositivos não são concretizados no País. O que nos leva a concluir que o preceito primário é bem intencionado, do ponto-de-vista dos direitos humanos, todavia o mundo real é amplamente sombrio e distante dos preceitos primários.
Apenas para constatar que o mundo real é uma demonstração fática de que não há o cumprimento dos preceitos, relatamos o que o autor Drauzio Varella menciona sobre uma experiência que teve na estação carandiru:
Voltei ao pavilhão quatro. O elevador estava quebrado, subi as escadas até o quinto andar, segui o corredor e saí da enfermaria. Era uma galeria com doze celas de um lado e dez do outro, uma copa no fundo à esquerda, um banheiro grande com mais azulejos despregados do que assentados na parede e três chuveiros elétricos, dos quais apenas um esquentava.
É legítimo lembrar que como reflexo inegável dos direitos humanos, temos no artigo 5º uma previsibilidade importante:
"XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral"
Vejamos mais um parecer de Drauzio Varella acerca das condições de determinados presídios, para se constatar o desrespeito aos direitos humanos em períodos verdadeiramente atuais:
Nos grandes xadrezes coletivos, como os de Triagem, com sessenta, setenta pessoas, as camas são substituídas por colchonetes de espuma de borracha, dispostos lado a lado no chão. A redução do espaço pode ser tal que os homens dormem invertidos, os pés de um no rosto do companheiro.
Não é impertinente perguntar: Há como mencionarmos que está havendo a solidificação da concessão de dignidade e respeito aos indivíduos?
As preocupações persistem em minha mente, e por isto salientarei acerca das situações dos presídios no País. Desta maneira, externo a conclusão que cheguei acerca da estrutura em geral de nossos presídios é muito bem exposta na obra vigiar e punir do nobre autor Michel Foucault, quando externa o que seria um suplício:”É um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”.
E verdadeiramente a configuração que se tem hoje para os reclusos ou detentos é via de regra de mais absoluto suplício.
É indiscutivelmente fundamental haver sempre a conscientização de que a aspiração teórica para a existência de penas no País, é para que haja ressocialização. Praticando portanto, todas as atividades fundamentais para que seja possível o cumprimento digno da pena e novamente inserindo este recluso ou detento em uma sociedade, ao menos em tese, civilizada. E de acordo com os tratamentos que esta incalculável população carcerária recebe, torna-se um sonho irrealizável concretizar a generalizada ressocialização.
Acerca da efetivação da humanidade nos presídios, vejamos o parecer de Nilo Batista para se alterar as anomalias existentes nestes “recintos” de cumprimento de pena, primeiro ele faz a seguinte alerta sobre a superpopulação: “ A questão da superpopulação é considerada a mais grave de todas, raiz e seiva de diversas outras- representam, como o relatório registra, um desempenho insatisfatório da instituição penitenciária e uma advertência contra as penas curtas de prisão: trata-se de não lançar na esteira de produção dessa fábrica de criminosos quem tenha qualquer possibilidade de ver-se punido mediante uma alternativa penal”
E posteriormente nos faz a seguinte proposição:
O remédio proposto para a superpopulação é audacioso e criativo, à altura da doença: numerus clausus e vigilância eletrônica. Traduzindo: se uma penitenciária foi projetada para a convivência de 500 presos, quando chega a 501, a administração tem que escolher um entre os internos com melhor prognóstico de adaptabilidade social, e impor-lhe um domicílio vigiado eletronicamente.
Brevemente relato que esta é uma solução nobilitante, todavia uma prática que dificilmente será posta em prática no Brasil.
Abordando um outro ponto estarrecedor para nós, o que constatará que hoje o Brasil se encontra absolutamente distante dos nortes almejados no âmbito dos Direitos Humanos. Este ponto estarrecedor trata-se da observância de uma constância muito profunda do crime de redução análoga a condição de escravos. Ora, é inelutavelmente concreto que este delito existe com uma freqüência não muito ínfima. Portanto, julgamos importante tratá-lo com algum vagar.
A nossa preocupação maior é por sabermos que quando atinge-se o ponto de uma pessoa natural se dirigir a um local ermo, sem saber das reais condições contempladas, para trabalhar sem nenhum regimento, já denota uma ignorância e alienação tão exacerbada que já escancara o absurdo para o princípio da humanidade. Assim sendo, sabe-se que estas pessoas desamparadas, excluídas por completo da sociedade, desprovidas de direitos sociais e fundamentais, sem a mínima condição de sustentabilidade, vivendo em condições sub-humanas e sem acesso ao que há de mais básico, já nos transmite uma melancolia incalculável.
E posteriormente, essas pessoas objetivam tão-só se alimentar, mas são exploradas, visto que necessitam de contrair empréstimos extremamente onerosos para ter acesso aos instrumentos que usarão para concretizar o INSALUBRE trabalho braçal. Como se não bastasse, o salário ínfimo que estas obtêm já as impede de almejar algo melhor e de poder pagar um dia a dívida que são obrigados a contrair. Por isto, se configura um inadimplemento eterno e inaceitável por parte desses trabalhadores assustadoramente explorados.
Desta maneira, este eterno inadimplemento desses trabalhadores provoca um vínculo irrevogável entre os exploradores e os explorados. Haja vista que, literalmente há uma prisão em face dos explorados trabalhadores. Para incrementar a exploração, ainda se tem a prática de uma exagerada alienação da informação para estes cidadãos, que verdadeiramente ficam incomunicáveis, sem acesso a quaisquer veículos de comunicação e tampouco telefone para efetuar a noticia de crime. Sabe-se também que o local é sobremodo ermo, e este fato dificulta a sabedoria de pessoas alheias a este local da real prática criminosa.
É necessário ressaltar, que caso estes trabalhadores objetivem empreender fuga ou uma rebelião, o capataz irá impedir o êxito da ação proletária.
Portanto, a conduta torpe é muito bem arquitetada e propícia para a geração de lucros.
Em remate, é certo que estes criminosos são responsáveis pela geração de uma sangria irremediável na vida desses pobres explorados trabalhadores.
Por este motivo, sabendo que este fato ainda existe no Brasil, é indubitável que estamos diante de uma realidade lastimável no universo dos direitos humanos.
CONCLUSÃO
Conclui-se este reflexivo trabalho, propalando que é lamentável nos deparamos com a nua e crua configuração do quadro social brasileiro. Ao observarmos estas configurações, apresentamos uma concentração de sentimentos, notadamente de melancolia, vergonha, raiva e preocupação. E inelutavelmente, nos surpreendemos com um sentimento de incapacidade para tentar arquitetar soluções procedentes para alterar esta dolorosa realidade.
Todavia, é necessário sempre se ter em mente, que nós operadores do direito quando reparamos uma desfavorabilidade tão incalculável, tão-somente ratificamos o árduo papel que temos perante a sociedade. Haja vista que, a necessidade é premente para que façamos justiça e concretizemos os utópicos objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Por fim, é mister sopesar que todos os cidadãos devem sempre buscar a concretização dos preceitos de nosso ordenamento jurídico, para que desta forma consigamos ao menos minimamente, apresentar uma realidade mais aceitável e menos deplorável no que tange os direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
-BRASIL; PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia. Código de processo penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
-BRASIL, Código Penal, decreto-lei 2.848. Atualizado e acompanhado de legislação complementar, súmulas e índices, 19ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004A.
BRASIL; OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela corte interamericana de direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Congratulações ao professor Hugo pelas magníficas reflexões acadêmicas.
ResponderExcluirO professor Hugo mais uma vez construiu um respeitável pensamento.
ResponderExcluirParabéns!
Muito bom!!!
ResponderExcluirEspetacular!!! lindo pensamento!!!
ResponderExcluir