«Ao cabo de Cabo Verde/ no campo do Tarrafal/ é que o futuro se ergue/verde-rubro Portugal». Um a um, os cinco alunos do 6ºD da Escola EB 2,3 Nuno Mergulhão, levantaram-se no meio do público e declamaram versos do poema de Ary dos Santos, escrito pelo poeta quando da trasladação para Portugal dos restos mortais dos 32 presos políticos do Estado Novo mortos no Tarrafal. O Marcos, a Ana Maria, a Inês Tiago, a Inês Moreira e o Fernando deram voz ao poema escrito em 1979. E estes três estudantes eram apenas alguns dos muitos jovens que estavam presentes, ao fim da tarde de dia 24 de Abril, no lançamento do livro «Presos Políticos Algarvios em Angra do Heroísmo e no Tarrafal», da autoria da historiadora Maria João Raminhos Duarte.O livro foi lançado no auditório do Museu Municipal de Portimão, que estava a abarrotar de gente. Na plateia, muita gente que, antes do 25 de Abril de 1974, se destacou na luta contra o regime salazarista e marcelista ou seus familiares. Alguns mesmo familiares daquelas mais de quatro dezenas de presos políticos algarvios que passaram por aquelas que foram as prisões mais tenebrosas do regime. Muita gente era de Silves, como era a grande maioria dos presos políticos algarvios, já que, como lembrou a investigadora Maria João Raminhos Duarte, aquela era «a mais emblemática cidade do Algarve e do país no movimento sindicalista e do operariado», nos anos de chumbo da Ditadura.Na viva apresentação que a autora fez do seu livro, passaram os números do horror – quantos presos, quantos anos de prisão, tantas vezes sequer sem culpa formada, acusação ou julgamento, quantas doenças e mortes -, mas também episódios como o da «rádio-merda», o sistema que os detidos inventaram para se manter minimamente informados do que se passava no mundo exterior, reaproveitando com mil e um cuidados e muito secretismo os jornais que os guardas prisionais usavam para se limpar quando faziam as suas necessidades…Ficou a saber-se, por exemplo, que o tempo de prisão dos 360 presos que passaram pelo Tarrafal somou «dois mil anos, cinco meses e onze dias». Mas a historiadora até pensa que as contas estão erradas…por defeito.Se as condições nas insalubres prisões criadas em fortes filipinos nos Açores eram más, piores ainda, desumanas mesmo, eram as do Tarrafal, o «campo da morte lenta», como ficou tristemente conhecida esta «colónia penal» na Ilha de Santiago, em Cabo Verde. As condições de calor infernal, de insalubridade, de doenças que atacavam sobretudo na curta época de chuvas, que transformava os campos em volta do Tarrafal em pântanos infestados de mosquitos, os maus tratos, a tortura, a terrível frigideira, ainda hoje perduram na memória. Condições duríssimas, de verdadeiro campo de concentração, onde os prisioneiros permaneciam anos e anos em prisão preventiva ou muito para além do tempo das suas penas. E onde permaneciam completamente isolados do mundo, sem sequer direito a receber os pacotes que as famílias lhes enviavam, roubados pelos directores da prisão ou mesmo pelos guardas. Por isso, lembrou Maria João Duarte, «três algarvios, quando regressaram do Tarrafal, foram direitinhos para o Júlio de Matos».Na sua apresentação, a investigadora falou dos perigos de tratar um tema cheio de carga ideológica. Mas lembrou que, ainda hoje, há prisões infames como aquelas, por esse mundo fora. Basta lembrar Abu-Ghraib e Guantanamo, disse. «Um dos maiores erros da humanidade é achar que a história não se repete e que os erros do passado não voltam a acontecer», sublinhou a historiadora. Os erros repetem-se e por isso é preciso que não sejam esquecidos e apagados. «Promover a memória da violência e a violência da memória, apesar de doloroso e polémico, permite aos portugueses uma reconciliação com o seu passado recente», acrescentou.Para saber mais pormenores e conhecer a história de alguns destes homens há que ler este livro inaugurou a colecção «Memória Futura», do Museu Municipal de Portimão, lançado pela Editora Colibri. 1 de Maio de 2009
23:37elisabete rodrigues
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