Não se pretende por ora profunda explanação e estudo sobre o intrincado tema Sistema Jurídico Processual. Evidentemente que não. Uma abordagem dessa natureza seria intolerável na pequena prosa que se quer apresentar. Objectiva-se, neste primeiro momento, levar ao leitor apenas a sensação, de foro íntimo, do que se conhece sobre o conjunto de normas interdependentes que vigem no sistema implantado em Timor-Leste e aplicadas pelos Juízes dos Tribunais Distritais e de Recurso. Dar-se-á enfoque exclusivo ao sistema processual penal, bem como ao constitucional na parte que trata das garantias fundamentais, considerando que o Tribunal de Dili está a julgar um dos mais demorados, intrincados e complexos processo da história: o Caso 11 de Fevereiro de 2008.Necessário para qualquer abordagem do sistema jurídico formal vigente, retroceder ao tempo da Administração Transitória das Nações Unidas. No período que precedeu o Primeiro Governo Constitucional, Sérgio Vieira de Mello administrou Timor-Leste e promulgou diversos diplomas jurídicos denominados Regulamentos UNTAET. Pode-se afirmar, sem receio de erro, que a maior contribuição do Administrador Provisório, quanto à implantação do sistema jurídico hoje vigente, foi influir para inserir na Constituição da República Democrática de Timor-Leste a língua portuguesa. Constitucionalmente, colocou-a no mesmo patamar da língua materna: o tétum. Na verdade, as leis são redigidas na língua portuguesa, bem como todos os demais actos do tribunal, inclusive as sentenças.A partir desse marco constitucional, estava aberto o caminho para que a legislação vigente no país recebesse influência dos diplomas jurídicos vigentes em Portugal, ou até mesmo para que a legislação se restringisse a mera cópia do que vigorava ou vigora nesse país europeu.Na visão de alguns nacionais, o artifício usado por Vieira de Mello trouxe consequência maléfica para o país asiático. Isto porque, na sua grande maioria os timorenses não compreendiam e nem compreendem a língua portuguesa. O domínio indonésio levado a efeito por décadas, fez com que a jovem população nascida no período da dominação, crescesse falando o tétum e o bahasa. Consequentemente, a inserção da língua portuguesa como oficial transformou a população jovem em analfabetos funcionais: sequer sabiam falar uma das línguas oficiais do seu próprio país.Outra consequência, foi a de que os parlamentares, porque não dominavam a língua portuguesa e, em sendo as leis da pátria redigidas nesse idioma; passassem a ser assessorados por funcionários internacionais oriundos de Portugal e de alguns outros poucos países lusófonos. Tais servidores internacionais, por ócio ou por desconhecimento técnico-legislativo; limitavam-se a copiar as leis vigentes em seus países de origem, as quais no território timorense eram aprovadas pelo Parlamento sem o total conhecimento do seu teor, da sua essência. Por certo, são boas leis para um povo que vive na Europa, mas péssimas para um povo do continente asiático.Gerou o Parlamento timorense, consequentemente, verdadeiras aberrações jurídicas. Assim, dispositivos da legislação infraconstitucional nasceram em desacordo com a lei maior, que é a Constituição e com as Convenções e Tratados Internacionais vigentes no âmbito interno. Por outro lado, a situação desses servidores internacionais é confortavelmente cómoda, pois que, enquanto a elite intelectual do país, dentre outros, os membros das carreiras jurídicas: juízes nacionais, procuradores nacionais e defensores públicos nacionais recebem pouco mais de 700 dólares mensais, os assessores internacionais auferem, a título de salário, mais de 12.000,00 dólares mensais se contratados por Agência da UN; ou mais de 5.000,00, se contratados por qualquer órgão do governo. Recebem, pois, salário astronómico para orientar na elaboração de leis que, na maioria das vezes, beiram a estupidez.Nomeadamente, tem-se o Código de Processo Penal vigente, o qual de timorense nada tem; abrangendo institutos ultrapassados e violadores de direitos fundamentais. Desconhece o que seja igualdade processual, defesa efectiva e contraditório, princípios de direito internacional recepcionados expressamente pela Constituição do seu país. Nesse âmbito, poder-se-ia enumerar dezenas de artigos inconstitucionais e que, só por isso, deveriam ser derrogados ou declarada a sua inconstitucionalidade incidenter tantum.Entretanto, como o foco deste trabalho é o de tão-somente mostrar o absurdo da manutenção do encarceramento dos acusados pelo evento de 11 de Fevereiro de 2008 (grupo de Gastão Salsinha e de Alfredo Reinado), o limite é o de analisar tão-somente a matéria que trata do cerceamento da liberdade de locomoção do cidadão tido como se estivessem em conflito com a lei penal. Trata-se da prisão provisória também chamada de prisão cautelar; prisão sem culpa formada; prisão excepcional e que deveria ser de curtíssima duração. É nessa situação de reclusão, esdrúxula e violadora dos direitos fundamentais que se encontram, ainda, Gastão Salsinha e a maioria dos denominados rebeldes. Isto, há quase 2 anos. Poucos dos acusados, dentre os quais Angelita Pires, estão sofrendo outras medidas de restrição na liberdade individual que não a preventiva. Para estes poucos, aplicou-se medida mais benéfica não porque o juiz tenha sido complacente, mas porque direito desses arguidos.No direito processual penal moderno, não se admite o cerceamento do direito de liberdade individual sem culpa formada. Ou seja: sem sentença penal condenatória transitada em julgado. Entretanto, apenas para garantir a ordem pública e a aplicação da lei pelos tribunais, em situações anormais, permite o legislador que o juiz decrete a prisão preventiva do agente. Isto, porém, dentro do estrito parâmetro legal, constitucional e supra-constitucional. Por ser de prazo exíguo e sem que o tribunal tenha apurado a responsabilidade criminal do agente, se diz prisão cautelar ou provisória.Violando, porém, as normas mais elementares de direito internacional e constitucional, o Código de Processo Penal copiado de legislação alienígena para ter vigência no Timor-Leste, permite que o cidadão seja mantido preso preventivamente por longo tempo, perto de 3 anos em certos casos. É como se o arguido condenado definitivamente já estivesse. Não respeita esse diploma adjectivo sequer a CRTL, a qual agasalha o princípio da inocência do arguido antes de condenado em definitivo; não respeita também as Convenções e Tratados Internacionais. São dispositivos legais absurdos e draconianos os do Código de Processo Penal, quando trata da restrição do direito de liberdade, porque impõem a vontade do Estado sem que o arguido possa se defender de forma ampla e concreta.O sistema, ao permitir o encarceramento cautelar prolongado, é perverso porque desrespeita princípios e direitos elementares sobre a liberdade individual. Esse facto se acentua porque, culturalmente, os juízes inclinam-se a manterem as promoções e requerimentos do Estado despótico, vez que o Ministério Público, também incorpora a figura de “magistrado “: desequilíbrio do fiel da balança, que é a igualdade processual entre a defesa e a acusação.Nos países civilizados a prisão preventiva dura apenas o tempo suficiente para que a acusação possa colher indícios que sustentem a tese que propugna; ou para que o tribunal possa aplicar a lei ao caso concreto: quando muito, cerca de uns 80 dias; no Timor, o órgão da acusação, neste caso, levou mais de 1 ano para colectar as evidências e os arguidos já estavam presos. Foram recolhidos ao Presídio de Becora poucos meses após os factos. Depois da acusação, o tribunal concluiu a produção de toda prova acusatória. Nada mais há para ser dito pelo Ministério Público; entrou o processo na fase de defesa.Injustificadamente, os juízes do Tribunal Distrital de Dili, apesar de não haver nenhum motivo que justifique o encarceramento dos arguidos, os mantém reclusos por quase 2 anos, refutando os requerimentos dos defensores e advogados no sentido de que se substitua a medida de coacção por outra menos severa; menos gravosa.A atitude dos juízes do TDD é arbitrária e inconsequente, uma vez que ridiculariza e torna letra morta os direitos e garantias que a própria Constituição outorga a qualquer cidadão, mesmo àqueles em conflito com a lei penal. Lamenta-se que os Magistrados Judiciais do TDD, que compõem o colectivo, não demonstrem nenhuma sensibilidade na aplicação da lei ao caso concreto e que tenham tomado essa atitude despótica e prepotente.
timorlorosaenacao.
Nenhum comentário:
Postar um comentário