segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

BRASIL: 'Prisão é para quem é perigoso'


Pela relevância da entrevista, e para promover maior interação, o blog reproduz a versão original, mais extensa, da entrevista publicada na coluna Mirante deste final de semana com Marcos Rolim, consultor e professor de Direitos Humanos.
Marcos Rolim, ex-deputado estadual e federal e reconhecido ativista dos direitos humanos, participou da formulação e redação dos três Planos Nacionais de Direitos Humanos. Ele é consultor na área e membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e, desde o início do ano, diretor de comunicação do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Também leciona Direitos Humanos no IPA, em Porto Alegre.
Mirante: O plano (Nacional dos Direitos Humanos) está bem feito?
Marcos Rolim: É o melhor dos três. Mantém a linha dos dois elaborados durante o governo FH e priorizou o avanço na identificação das responsabilidades governamentais, os ministérios encarregados, separou responsabilidades entre União, Estados, Ministério Público, Judiciário, municípios. E não existe nenhuma chiadeira na sociedade, a mídia é que inventou. Os comandantes militares não aceitam discutir o passado. Especialmente o comando das três armas, que ameaçaram demissão e criticaram publicamente ato do presidente e comandante das Forças Armadas. Isso, no meu tempo, era insubordinação. Deveria produzir escândalo, mas não houve problema nenhum. Quanto às questões do aborto e dos direitos civis dos homossexuais (união civil e adoção), a Igreja Católica participou do debate. A ideia de que há controle social dos meios de comunicação, isso é problema com a Constituição, está escrito lá. E tem o problema localizado com os produtores rurais, a proposta de audiências conciliatórias (a anteceder cumprimento de mandado de reintegração), mas essas audiências já acontecem há bastante tempo. Em dezembro, 18 ocupações de terra foram resolvidas por consenso nessas audiências, com tempo de duração de uma semana e meia. Foram presididas por Gilmar Mendes (presidente do Supremo Tribunal Federal). Quem as organizou foi o Conselho Nacional de Justiça.
Mirante: Por que tanta resistência e preconceito da população quando se fala em direitos humanos?
Rolim: Isso reflete e diz muito sobre o que é o Brasil e o que é a mídia brasileira. Direitos humanos é uma ideia quase sagrada em países com democracia consolidada. Aqui no Brasil as pessoas precisam dar explicações sobre por que defendem os direitos humanos. Agora uma comitiva do governo gaúcho foi visitar presídios na Inglaterra e ficou deslumbrada: "Aqui as celas parecem quartos", chegaram a comentar. E por que não deveriam ser quartos? O nosso atraso é tão grande que uma ideia civilizatória como os direitos humanos é uma ideia em cheque. Não há possibilidade de civilização nem democracia sem direitos humanos, porque se volta contra a gente.
Mirante: E como se supera esse estágio?
Rolim: Num país de dimensões continentais, com graus de desigualdade e pobreza como o Brasil é impossível se falar em educação sem falar dos meios de comunicação social. E aqui estou falando de rádio e televisão. Rádio e tevê são concessões reguladas pela Constituição, deveria ter programa de tevê e rádio debatendo e trazendo a palavra de especialistas. Aqui todo mundo tem opinião sobre presídio, lei penal. Quando é sobre inflação, se procuram economistas para falar. Mas sobre segurança pública, todo mundo fala, e esse é um tema que deveria ser discutido por gente que tem expertise.
Não temos política de segurança pública. No Rio Grande do Sul, é uma tragédia. Se alguém disser que tem, eu quero que me mostre. Qual é a política, qual é o diagnóstico? O Estado falha em prestar segurança. As polícias se esforçam, a crítica é aos governos, todos os governos, é um déficit nacional. As pessoas se sentem desamparadas, e em grande medida têm razão. Elas precisam encontrar um bode expiatório, e a direita ofereceu os direitos humanos.
Mirante: Nas atuais condições carcerárias, resta outra saída à Justiça a não ser selecionar presos para enviar aos presídios?
Rolim: Não tem nenhuma saída, eles (o Judiciário) estão pressionados pelo Código de 1940 que manda prender todo mundo e os preceitos da execução penal. Um diz prende, outro fala solta. A solução não pode ser encontrada ali. Eles estão lidando com as causas, não com os efeitos. Constroem-se presídios, abrem-se mais vagas, mas eles lotam de novo. A demanda de encarceramento é sempre muito maior. A grande resposta está na outra ponta, é diminuir a demanda de encarceramento. Reservar a prisão para quem é perigoso, os acusados de matar e de estuprar. Do contrário, está se industrializando o crime.
Mirante: Nesse caso, transmite-se uma mensagem à população e aos delinquentes. O que é menos pior: transformar os presídios em bombas-relógios ou expor a população a crimes graves?
Rolim: Há dois direitos que se contradizem. A prisão de uma pessoa implica risco para ela e o risco para o patrimônio. Eu diria que é raríssimo o magistrado não mandar para a cadeia alguém que está sendo acusado de uma violência real. A opção é lógica. Deixar acusado de furto onde não cabe mais ninguém implica muitos riscos. Nós construímos no Brasil um impasse que só irá ser superado com a mudança da lei. Ela deve ser rigorosa para os crimes violentos e tratamento fora da cadeia para o resto, combinado com um bom sistema de pena alternativa. Mas os movimentos que existem para a mudança da lei são no sentido de piorar. Estão sintonizados com a demanda punitiva.

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"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR