domingo, 17 de janeiro de 2010

Justiça devia ser gratuita e mais simples



Paulo Barreto considera que a opinião pública é parcial e injusta quando cria a ideia de que os tribunais libertam os criminosos apanhados pela polícia.


Jornal da Madeira – Concorda com a criação de uma só comarca em vez das actuais cinco?Paulo Barreto - Concordo plenamente. Faz todo o sentido numa Região pequena e com boas acessibilidades centralizar os meios no Funchal. Nada obsta, porém, que a única comarca do Funchal tenha juízos de proximidade e/ou julgados de paz em alguns concelhos da Região para a resolução de litígios mais simples e, bem assim, para a inquirição por videoconferência de pessoas com dificuldades de locomoção. JM – Acredita que este novo modelo vai promover a eficiência e o melhoramento da resposta à Justiça?PB - Não vejo outro caminho para uma melhor rentabilização dos quadros. Como a especialização é a via seguida para uma melhor Justiça, não faz sentido manter juízes de competência genérica em toda a Região. Deve ser feito um paralelo com a Saúde. Não podemos ter especialistas em todos os concelhos, estão no Funchal, onde dispõem de melhores meios. Uma única comarca no Funchal, com juízes especializados em crime, cível, execução, família e menores e trabalho, dará certamente melhor resposta aos processos judiciais. Acres que o actual modelo está tão desajustado, por permitir que haja juízes com cerca de 200 processos (São Vicente, Porto Santo e Criminais do Funchal) e outros com cerca de 8 mil processos (Santa Cruz). Também neste aspecto, uma única comarca permitiria uma adequada distribuição do serviço. JM – Em traços gerais o que muda com esta nova organização territorial das circunscrições judiciais e dos tribunais?PB- Esta nova organização judicial, que se espera chegue à Madeira em 2010, trará a certeza que todos os processos serão julgados por juízes especializados, logo melhor preparados na sua específica área, e melhor rentabilização dos quadros de juízes e funcionários. JM – O que vai acontecer com os outros tribunais de comarca?PB - Podem ser criados juízos de proximidade com competência genérica para questões mais simples, embora eu prefira os julgados de paz, porque teriam competências semelhantes mas com a vantagem de envolver o poder local, o que representa um mais valia para o Estado de Direito Democrático e para a identificação das populações com estes serviços. Não há falta de juízes na Região Autónoma da MadeiraJM – Com o novo mapa judiciário fica resolvido o problema da falta de juízes na Madeira?PB - Não há falta de juízes na Madeira. Como disse, o serviço está é mal distribuído. JM – Foi recentemente inaugurado no Funchal o primeiro Julgado de Paz da Madeira. Concorda com este tribunal?PB - Sou um forte defensor dos julgados de paz pelo que representam em termos de envolvência na área da Justiça dos eleitos locais, os que mais próximos estão das populações. Vejo também como muito positivos os conceitos de mediação e conciliação que estão ligados aos julgados de paz. JM – Problemas como a morosidade e o custo da justiça são as queixas mais frequentes dos cidadãos. O que acha ser possível fazer para tornar a justiça mais célere e mais acessível às pessoas?PB - A morosidade resolvia-se com melhor rentabilização dos quadros e com simplificação das leis processuais. A Justiça não devia ter custas. Devia ser gratuita. As pessoas só deviam pagar em caso de litigância de má fé. Num país em que, entre impostos directos, indirectos e taxas, o cidadão entrega mais de 70 % dos seus rendimentos ao Estado, a Justiça, a Sáude e Educação deveriam ser fornecidas pelo Estado sem acréscimo de custos. E com qualidade. É o que se passa nos países nórdicos e com muito sucesso. Em Portugal pagamos os mesmos impostos que os dinamarqueses, porém ainda temos que pagar pela Justiça, Saúde e Educação. E muitas vezes sem qualidade. Combate ao crime exige a intervenção de todos JM – Como acha que deve ser combatido o aumento da criminalidade, associada aos fenómenos sociais?PB - Não podemos dissociar o aumento da criminalidade das causas sociais. O que leva a pessoas ao crime? A falta de esperança, ausência de valores, o desemprego, o vício. Por isso é que o combate ao crime exige intervenção de todos (Tribunais, Governo, Família, etc.), a montante e a jusante do crime. A pena criminal, assentando na culpa do agente, deve dirigir-se à reinserção social do indivíduo. JM – Há uma ideia instalada na opinião pública de que há muita gente apanhada pela polícia que é libertada depois pelos tribunais. Que comentário faz a esta situação?PB - A opinião pública é muito parcial e injusta. Se for um familiar nosso, queremos uma justiça branda e compreensiva. Se for o toxicodependente da rua, o ideal seria que apodrecesse na cadeia. Os Tribunais cumprem as leis. Numa coisa estamos todos de acordo: os políticos e comentadores, ou seja, aqueles que fazem a opinião pública, nunca disseram tanto mal da Justiça. Tal só acontece porque os Tribunais começaram a perseguir uma criminalidade que não lhes interessa (corrupção, branqueamentos, tráfico de influência). Não tenho dúvidas que muitas das declarações públicas visam estrategicamente criar embaraços e descredibilizar concretos processos judiciais. Corpo de solicitadores está mal preparadoJM – Acredita na simplificação da legislação processual e nas reformas previstas para a área dos processos penal e civil?PB - Sobre a simplificação do processo civil já falei. A Justiça enfrenta outros dois grandes problemas: o processo executivo e a investigação criminal. Ambos alheios aos juízes. A acção executiva foi retirada dos Tribunais e entregue a um corpo de solicitadores, que está mal preparado. O resultado é a total paralisação da acção executiva. A acção executiva devia voltar aos Tribunais. A investigação criminal, por seu lado, precisa de meios, alteração de prazos e clarificação das competências de coordenação entre o MP e os órgãos de polícia criminal. JM – Sente-se seguro dentro dos tribunais na Região?PB - Não se pode estar no local de trabalho a pensar na própria segurança. Não é assunto que me preocupe, embora reconheça que medidas simples, como a detecção de metais, ajudariam na segurança. JM – Que análise faz à cobertura noticiosa dos julgamentos na Madeira?PB - Verifico que há a preocupação de informar bem. JM – Qual a análise que faz ao estado da Justiça?PB - É disso que tenho estado a falar ao longo desta entrevista. Como dela resulta, os diagnósticos estão feitos, haja vontade política. Os juízes estão dispostos a tudo o que necessário for para melhorar a imagem da Justiça, até porque são os principais visados quando se fala em crise da Justiça, não obstante, como vimos, serem alheios a muitos dos problemas.JM – No ano que agora terminou, foi nomeado delegado da Comissão Nacional de Eleições (CNE) pelo Conselho Superior de Magistratura. Que análise faz do seu trabalho desenvolvido nessa função?PB - Fui indicado pelo Conselho Superior da Magistratura e nomeado pela Comissão Nacional de Eleições. Foi um trabalho cívico, obviamente não remunerado, ao qual dei todo o meu empenho e saber. Não devo fazer análises sobre o meu trabalho. Queixas à CNE estão ainda a ser apreciadasJM – Qual foi o resultado das 30 participações que enviou, enquanto delegado da CNE, ao Ministério Público?PB - As participações ao MP devem estar em fase de inquérito. Não sei nada, nem devo saber, porque sujeitas ao segredo de justiça. Saberemos os resultados quando houver acusações e ou julgamentos. As queixas à CNE estão também a ser apreciadas, como me foi possível perceber em Dezembro passado, numa reunião na Comissão. Não haverá queixa sem deliberação.JM – Declarou na altura que na Madeira não havia asfixia democrática, mas sim excesso de liberdade. Essa afirmação não foi totalmente compreendida ao nível nacional. Quer comentar?PB - As minhas funções de Delegado da CNE terminaram com a publicação oficial dos resultados eleitorais. Não sou actor político e não devo ter qualquer intervenção depois da cessação dessas funções. Numa entrevista à antena 1/Madeira, que o JM reproduziu em parte, disse tudo o que tinha a dizer, expliquei o que tinha a explicar. Ponto final. JM – No final deste ano judicial deverá ser transferido para o Tribunal da Relação de Lisboa. É um novo desafio na sua carreira?PB - Estou nos primeiros lugares para aceder aos Tribunais da Relação. A minha preferência será pela Relação de Lisboa, cuja colocação depende do número de vagas e candidatos ao movimento judicial. Qualquer outro Tribunal da Relação será igualmente bem-vindo. É obviamente uma promoção e algo totalmente novo na minha carreira. Porém, se o número de vagas aberto para a segunda instância não for suficiente para a minha promoção, por cá ficarei com total empenho. JM – Disse um dia que a sua única ambição pessoal, quando reformado, é ser presidente do Nacional. Mantém essa ideia?PB - Essa resposta foi no contexto da referida entrevista à antena 1/Madeira, quando questionado pelas minhas ambições políticas. Como não tenho qualquer ambição política, disse que gostaria de ser Presidente do meu clube. Mas, respondendo à sua questão, ai de mim se a minha única ambição pessoal fosse ser presidente do Nacional. Tenho tanta coisa para fazer. Quanto ao meu clube, daqui a 18 anos, quando me reformar, veremos como estarei de saúde e força, porque dedicação ao Nacional terei sempre.Simplificação da Justiça - O juiz Paulo Barreto defende que o processo civil devia ser simplificado, reduzido a dois articulados (requerimentos processuais): o primeiro por parte de quem propõe a acção, indicando os fundamentos de facto e de direito, arrolando a prova e concluindo pelo pedido; a outra parte, apresentaria contestação a se opor e igualmente indicando a sua prova. Seguia-se o julgamento e a sentença, que só seria fundamentada se as partes não aceitassem a decisão e dela quisessem recorrer. Nada mais. Três actos processuais. E processos decididos em poucos meses. Relativamente ao estado da Justiça, Paulo Barreto destaca que os diagnósticos estão feitos, mas é necessário que haja vontade política. Garante que os juízes estão dispostos a tudo o que necessário for para melhorar a imagem da Justiça, não obstante, serem alheios a muitos dos problemas.
jornaldamadeira
Miguel Fernandes

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