sexta-feira, 17 de junho de 2011

BRASIL:Relatório mostra que nada mudou no sistema prisional: violência e superlotação continuam

Lívia Francez
Foto capa: Syã Fonseca

Na manhã desta sexta-feira (10) foi apresentado, no auditório da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), o relatório Violações de Direitos Humanos no Sistema Prisional do Espírito Santo – Atuação da Sociedade Civil. O documento reflete os anos de tortura e de abandono do sistema penitenciário do Estado, além dos esforços das entidades da sociedade civil organizada em expor a situação caótica dos presídios e o tratamento desumano dado aos detentos e adolescentes do sistema socioeducativo durante anos. Em destaque, aqueles períodos em que era proibida a entrada de organizações da sociedade civil no sistema prisional para encobrir as graves violações.

O resultado do trabalho deixa claro que se fez um estudo fundamentado e contundente do cenário prisional capixaba, em que persevera a tortura nos estabelecimentos, violações, além da tentativa de criminalização e desmoralização dos militantes dos direitos humanos no Estado.

No lançamento do relatório, o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), Gilmar Ferreira, disse que a história não pode ser esquecida, já que não há noticia de punição dos agentes responsáveis por torturas. Ele lembrou, ainda, que as violações aos direitos humanos se perpetuam nos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs) do interior do Estado e em Centros de Detenção Provisória (CDPs) recém-construídos.

Os novos CDPs, anunciados ainda no governo Paulo Hartung como a solução para a superlotação e as violações que ocorriam nas velhas unidades, funcionam acima da capacidade. Além disso, como lembrou o integrante da Pastoral do Menor, Padre Xavier Paolillo, as unidades podem ser novas, mas as praticas de violações são velhas. O religioso relatou que um dos principais desafios é o aumento da violência policial na apreensão de adolescentes, quase todas mediante violência e, em alguns casos, resultando em conflitos armados mesmo quando não há resistência à apreensão.

O membro da Pastoral do Menos lembrou ainda que nos conflitos ocorridos na Unidade de Atendimento Socioeducativo (Unis) em abril deste ano, por ocasião do afastamento do ex-diretor técnico Antônio Haddad Tapias, dois adolescentes passaram por uma longa sessão de espancamento e tortura, que resultaram no afastamento de nove agentes socioeducativos. Já no complexo de Xuri, em Vila Velha, foi relatada a existência de cassetetes utilizados por agentes socioeducativos com os dizeres “psicologia”, “direitos humanos” e “o Senhor é o meu pastor”, que seriam utilizados para atingir os internos. Bastões deste tipo também eram usados na Unis para espancar os adolescentes.

Aprisionamento

Era consenso entre os militantes que compunham a apresentação do relatório que a predileção pelo encarceramento é o que contribui para o superávit no número de presos e para as condições desumanas no sistema prisional. A coordenadora de Relações Internacionais da ONG Conectas, Lucia Nader, disse que, apesar de a situação do estado de São Paulo ser delicada, não é tão calamitosa quanto a do Espírito Santo. O País tem a segunda maior superlotação carcerária do mundo, o que torna o sistema insustentável e o caos na política de encarceramento levada pelo medo e repressão.

O que decorre dessa política é a tortura, mas ela também não tem como ser propriamente mensurada porque não há dados sistematizados pelo governo a respeito.

O abuso de detenções provisórias também é apontado como um problema pela coordenadora da Conectas. Os detentos passam mais tempo esperando pela sentença do que a cumprindo penas, caso sejam condenados. Ela completou dizendo que é preciso deixar de prender por qualquer motivo, e sim prender corretamente.


Agentes armados

Já a advogada da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, apontou que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), aplicado a presos provisórios nos novos CDPs, é utilizado sem autorização judicial e também é aplicado a adolescentes do sistema socioeducativo, fazendo com que não haja diferenciação de tratamento adolescentes e detentos no sistema. Há relatos da entrada de agentes armados nas unidades do sistema socieducativo de Xuri que teriam feito ameaças aos adolescentes internados.

No Centro de Detenção Provisória de Viana (CDPV I), onde funciona a triagem do sistema prisional, o quadro se assemelha àquele encontrado no Estado antes da construção dos CDPs. Sandra relata que, em visita à unidade, a equipe teve a entrada dificultada e esteve sempre acompanhada do diretor-adjunto do local, sem acesso aos presos. O quadro no CDPV era de superlotação e havia um surto de conjuntivite entre os detentos e o RDD é aplicado naquela unidade. Nessa modalidade de encarceramento os presos ficam presos a maior parte do tempo e tem visitas e banho de sol reduzidos.

Direito à defesa

Os advogados presentes no lançamento do relatório também demonstraram o cerceamento no direito à defesa dos presos. A advogada Carla Pedreira contou que as violações não mudaram no CDPVI, que ela classificou como um dos maiores centros de tortura do Estado. Ela completou dizendo que em certos aspectos a situação no presídio é ainda pior, já que antes era possível ter contato com os clientes. Atualmente, a comunicação com os presos é feita através do parlatório, por meio de um interfone ou ao lado de um agente penitenciário. Nesse caso, ela conta, o detento se sente receoso de denunciar ao advogado qualquer tortura ou violação ocorrida na unidade por medo de represálias.

A advogada disse ainda que o direito à defesa fica comprometido, já que a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) disponibiliza assessores jurídicos, que em muito casos não são advogados ou não estão inscritos na OAB, fazendo com que os detentos dispensem os defensores porque, para eles, os advogados se tornam um problema, pois não se pode falar abertamente, sem o monitoramento de um agente ou do interfone.


FONTE

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Mensagem de boas-vindas

"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR