Portugal não tem por hábito mandar menores para a prisão. Nem um por cento dos reclusos tem menos de 18 anos. A estatística da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais não mostra quantos estão em prisão preventiva, mas quem está no terreno aposta que são poucos.
A polémica instalou-se quando o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu decretar a prisão preventiva da rapariga de 16 anos acusada de agredir, ao soco e ao pontapé, uma miúda de 13. Igual medida aplicou ao rapaz de 18 anos que filmou o episódio e o publicou na Internet. O rastilho foi ateado logo no sábado pelo bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto. "Estou estupefacto. É terrível. Isto é um sistema judicial da Idade Média", proferiu, citado pela agência Lusa. O juiz desembargador Madeira Pinto não ficou espantado: "Se o juiz tomou esta decisão é porque entendeu que estavam reunidos os pressupostos legais. Às vezes, a prisão preventiva serve para proteger o próprio arguido. Se essa rapariga estivesse em liberdade, estava em paz?""Não é comum alguém com 16 anos ficar em prisão preventiva por ofensas corporais graves", observa o procurador Norberto Martins. "Até aos 18 anos, é raríssimo haver prisão preventiva. É preciso haver muitas coisas graves. Seis, sete, oito roubos. Não é à primeira, nem à segunda, nem à terceira. Antes de haver pena afectiva, há uma pena suspensa, outra pena suspensa." Apesar de lhe desagradar a ideia de meter raparigas de 16 anos atrás das grades, Norberto Martins, também presidente da Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos, não faz coro com o bastonário. "Não sabemos qual é o enquadramento social. A atitude da miúda no interrogatório pode ter sido determinante. Imagine-se que ela disse que não está arrependida. Há muitas variáveis em jogo."Para propor a medida de coacção mais gravosa (prevista para crimes com pena de prisão superior a cinco anos), o Ministério Público considerou os "indícios de co-autoria de agressão premeditada". E apontou "especial perversidade", o que incluiu "a divulgação da violenta agressão através da Internet, provocando intranquilidade e alarme social intenso". O sociólogo Tiago Neves, que fez um doutoramento sobre justiça tutelar educativa, lê aqui "uma forma de pedagogia dura: "Não batas e não ponhas nas redes sociais. Se bateres, não faças disso um espectáculo." "Norberto Martins também encontra naquela medida de coacção uma vontade de fazer "prevenção geral, de dizer que a sociedade não tolera um crime daqueles". Maria João Leote de Carvalho, que há mais de 20 anos estuda delinquência juvenil, abre outra frente de debate. Os jovens entre 16 e 21 anos estão sujeitos a Regime Penal Especial. "Desde 1982, temos uma lei que diz que devem ficar em centros de detenção." Há 88 jovens com 18 ou menos anos presos em cadeias. "Esses centros não existem." O EP de Leiria ocupa-se dos mais jovens, mas recebe outros mais velhos, e quantos mais jovens estão noutras cadeias?A outra rapariga envolvida na agressão só completou 16 anos dois dias depois daquele episódio: o expediente foi remetido para o Tribunal de Família e Menores; abrir-se-á um inquérito tutelar educativo. Maria João Leote de Carvalho também tem pena de que não haja uma "discussão profunda" sobre a diferença entre maioridade civil e maioridade penal, que faz com que "o país viole a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança": "A idade de pediatria subiu para os 18 anos, a escolaridade obrigatória subiu para os 18 anos, mas aos 16 já se pode trabalhar e já se tem responsabilidade criminal." Não recomenda comparações directas com outros países europeus. As realidades são demasiado diversas. Em Inglaterra, por exemplo, há responsabilidade penal e maioridade penal. "Uma criança de dez anos não vai para uma prisão. Há uma série de medidas alternativas [a que pode ser sujeita]. Se vai, é para uma prisão só para menores."
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