quarta-feira, 14 de outubro de 2009

MOÇAMBIQUE:Cristãos africanos devem ser acompanhados no seu compromisso político

Posição assumida pelo presidente da Conferência Episcopal de Moçambique
A divisão experimentada por muitos leigos entre a fé cristã e a actividade política, como se fossem realidades incompatíveis, foi um dos aspectos mencionados na intervenção do presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, D. Lúcio Muandula.
“Acho que os cristãos católicos envolvidos na actividade política em África experimentam uma grande solidão e um certo abandono por parte da hierarquia das suas Igrejas particulares”, disse o bispo de Xai-Xai.
“Apesar de alguns deles terem sido formados nas nossas universidades católicas e de serem cristãos de primeira fila nas missas dominicais das nossas catedrais – continuou o prelado – não raras vezes vemo-los envolvidos na aprovação de leis contrárias à fé católica, como é o caso da liberalização do aborto”.
Já o Arcebispo coadjutor de Lubango (Angola) e presidente do "Inter-regional Meeting of Bishops of Southern Africa", D. Gabriel Mbilingi, destacou o trabalho da Associação Cristã de Gestores e Dirigentes (ACGD), que se está a estender às dioceses do país e a S. Tomé e Príncipe.
“Espera-se que os seus membros participem activa e responsavelmente na vida e na missão da Igreja local, servindo a pessoa humana, a cultura, a economia e a politica, visando mudar, paulatinamente (…) tudo o que ofende e oprime a dignidade da pessoa humana”, referiu o prelado. Para concretizar a sua missão, os leigos da ACGD têm encontros de formação nos vários domínios da sua actividade profissional, realizam retiros espirituais e convívios fraternos, procurando viver a comunhão na diversidade.
Para o coordenador emérito da Comissão Justiça e Paz da Conferência Episcopal dos Camarões, Pierre Titi Nwell, um dos maiores problemas do continente é o facto de o acesso aos órgãos de soberania fugir ao controlo do povo: “Desta forma, os dirigentes fazem o que querem e como querem. É por isso que nós sofremos tanto”, declarou. Por isso, “ao mesmo tempo que a Igreja tenta converter os corações dos dirigentes, deve assumir (…) que todos os cidadãos de um país têm o direito e o dever de escolher livremente os seus dirigentes e de os demitir quando é o momento oportuno.” Este objectivo deve ser alcançado “com a sociedade civil e com as forças políticas”. Depois de, nos últimos anos, a Igreja ter acompanhado as eleições nos Camarões, chegou a hora dela abrir “os olhos dos seus fiéis e dos homens e mulheres de boa vontade para as realidades políticas e o seu impacto na vida de todos e de cada um”, respondendo à “tarefa de acompanhamento do povo no caminho da democracia” preconizada pela exortação “Ecclesia in Africa”.
O presidente da Conferência Episcopal do Burkina-Faso, D. Séraphin François, descreveu o envolvimento da Igreja na democracia, e sublinhou que, a nível eclesial, deverá difundir-se o conhecimento da Doutrina Social da Igreja e promover-se o respeito pelas minorias.
Reconciliação, paz, família, papel das mulheres, educação, política, economia, ecologia e anúncio da mensagem cristã foram alguns dos assuntos mencionados na assembleia.
Toda a Igreja universal - não somente as Igrejas que lá se encontram - deveria interessar-se por África, defendeu o bispo do Cairo dos Caldeus (Egipto), durante o Sínodo dos Bispos, que decorre em Roma. “Quantas pessoas fora do continente africano leram a ‘Ecclesia in Africa’?”, questionou D. Youssef Sarraf, referindo-se à exortação apostólica de João Paulo II.

Promover a reconciliação e a paz
A filiação divina é o ponto de partida para a superação das divisões e rivalidades entre tribos. O arcebispo de Owerri (Nigéria), D. Anthony Valentine, testemunhou o trabalho realizado entre os “Igbo”, etnia à qual pertence: “Trabalhei com outros filhos e filhas de Deus para eliminar as discriminações que proíbem os católicos de contrair matrimónio entre si”. Este espírito de co-filiação deveria ser adoptado pela Igreja como dinâmica constitutiva da família, sugeriu D. Valentine.
A Igreja no Quénia quer apoiar a pacificação, em resposta à violência que atravessa o país, declarou D. Zacchaeus Okoth, arcebispo de Kisumu. É necessário reparar “o mal que causámos e os danos que fizemos a nós próprios, à comunidade, à natureza e a Deus”, acrescentou.
O superior geral do Instituto de Missões da Consolata, P. Aquiléo Fiorentini, falou sobre as Escolas de Perdão e Reconciliação, formadas por grupos de 15 a 20 pessoas que decidem viver uma experiência de cura da memória não grata (raiva, rancor, ódio, vingança) e que desejam abrir-se ao apaziguamento como caminho para o restabelecimento da paz.
A contribuição dos leigos e religiosos para a concórdia, designadamente através da fundação de escolas e hospitais abertos a toda a população, foi um dos aspectos focados pelo presidente da Conferência Episcopal do Uganda, D. Mathias Ssekamanya. O bispo de Lugazi referiu-se ainda à urbanização, que está a levar “grande parte do povo africano a perder o sentido da solidariedade e da colaboração natural na família”, o que implica o “declínio das práticas cristãs saudáveis”. O prelado mencionou também a necessidade de uma “séria formação” no âmbito da Doutrina Social da Igreja, bem como uma “profunda implementação” da inculturação na catequese.

Família
A evangelização da família implica considerá-la como “Igreja doméstica”, onde o encontro com Cristo ocorre quotidianamente, referiu D. Almachius Rweyongeza, bispo de Kayanga (Tanzânia). É necessário rever a catequese e a prática dos casamentos mistos dentro das instituições.
Perante a importância da família, o arcebispo de Onitsha (Nigéria), D. Valerian Okeke, sugeriu que seja dedicada mais atenção à preparação dos casais para o matrimónio, que se realize continuamente a catequese familiar e que a Igreja se concentre nas necessidades das comunidades familiares. Além destas prioridades, é necessário dedicar mais atenção às dificuldades dos casais sem filhos. É a partir da célula mais elementar da sociedade que a reconciliação e a paz chegarão ao continente, destacou o prelado.

Valorizar as mulheres
A intervenção do arcebispo de Lusaka, (Zâmbia), D. Telesphore Mpundu centrou-se no dom que as mulheres representam para a humanidade e a sua contribuição para a Igreja. Apesar da sua importância, o seu carisma não é adequadamente reconhecido nem utilizado de maneira suficiente. Não existirá desenvolvimento significativo se as mulheres, que são pelo menos 50% da população do país, forem marginalizadas, assinalou D. Telesphore.
“Quais são os programas concretos que temos que implementar para tornar a mulher mais participativa, responsável, autêntica e activamente visível na nossa Igreja?”, perguntou o bispo de Kakamega (Quénia), D. Philip Sulumeti. Elas executam 80% da actividade agrícola e 90% do trabalho doméstico, na maioria dos casos sem acesso a ferramentas essenciais. Diante desta perspectiva, indicou o prelado, os homens são chamados a submeterem-se a uma conversão radical. “Ao educar as mulheres, educa-se uma nação”, acrescentou.

Educação: esteio da Igreja e do continente
O ensino tem sido um importante componente da missão da Igreja na Gâmbia, cuja maioria da população (90%) é constituída por muçulmanos. O bispo de Banjul, D. Robert Ellison, acredita que a educação é um caminho para a paz entre os vários grupos religiosos, sociais e tribais que constituem o país, ao mesmo tempo que realça os valores religiosos e morais comuns do Islão e do Cristianismo.
O prefeito da Congregação para os Bispos, Cardeal Giovanni Re, centrou as suas palavras na importância da educação para a reconciliação. Depois de evocar a acção das escolas católicas, religiosos e catequistas, aquele responsável do Vaticano afirmou que os Bispos devem esforçar-se na formação das consciências, especialmente no que aos sacerdotes diz respeito. “A Igreja – declarou – caminha com os pés dos sacerdotes, que são ‘os pés do mensageiro que anuncia a paz’”.

Por uma nova economia
“Um dos tristes fenómenos que alimenta a imagem negativa da África através dos meios de comunicação é a migração clandestina de milhares de africanos para a Europa ocidental, em particular a perda de vidas humanas que se verifica periodicamente entre as areias do Saara e as águas do Oceano Atlântico e do Mediterrâneo”, indicou o primeiro vice-presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar, Cardeal Théodore-Adrien Sarr. O “saque” dos recursos naturais, a corrupção dos dirigentes africanos e os conflitos internos são algumas das causas daquela realidade apontadas pelo arcebispo de Dakar (Senegal). “Sabemos que não são as barreiras da polícia, por muito intransponíveis que sejam, a deter a migração clandestina, mas a redução efectiva da pobreza através da promoção de um desenvolvimento económico e social que se estenda às massas populares do nosso país”, afirmou.
O responsável da diocese de Osogbo (Nigéria), D. Gabriel Abegunrin, aludiu ao “considerável número” de emigrantes africanos presente “em todos os países do Ocidente”; desde o início da crise económica, alguns Estados endureceram as suas leis, chegando ao ponto de negar os direitos humanos das comunidades provenientes de África. Esta realidade, bem como a violência que vitima os jovens do continente, tem que ser contrariada pela “voz profética da Igreja”, que “deve ser ouvida sem ambiguidade”.
As relações económicas entre os Estados foram um dos temas abordados pelo director do Instituto Católico para o Desenvolvimento, Justiça e Paz (Nigéria), Mons. Obiora Ike: “Devemos pregar que chegou o fim da economia que visa o lucro para si mesma, da economia de mercado que não entende a liberdade como uma responsabilidade, de uma economia que não vê a família humana como o seu fundamento”. Por isso, a Igreja deve empenhar-se em “actividades de micro-economia que favoreçam os pobres e os ajudem a aceder a meios para se sustentarem e progredirem”. “Por causa da pobreza – acusou – muitos jovens e profissionais que lutam pela sobrevivência desvirtuam-se”, ao mesmo tempo que os “verdadeiros ladrões da riqueza do país ficam impunes e continuam a roubar de acordo com conspirações locais e internacionais”. O prelado apelou também ao fim da pena de morte e a um maior envolvimento da Igreja nas prisões.
O presidente da Federação de Conferências Episcopais Católicas da Oceânia, D. Peter Ingham, dedicou o núcleo da sua intervenção ao “Fundo para o Desenvolvimento Católico”, que poderá servir de exemplo para as dioceses africanas.

Recursos naturais
As inundações e secas resultantes do derrube de árvores sem a devida reflorestação têm conduzido à eliminação das safras agrícolas, denunciou o arcebispo de Tororo (Uganda), D. Denis Lote. “As leis naturais não podem ser ignoradas; o mundo físico tem leis que devem ser respeitadas”, afirmou. Neste sentido, o problema das mudanças climáticas é uma questão moral para todos.
O responsável pela diocese de Bokungu-Ikela (República Democrática do Congo), D. Fridolin Besungu, sublinhou que os recursos naturais são importantes para a recuperação económica do país, mas, simultaneamente, constituem fonte de cobiça, conflitos e corrupção, sendo alvos da máfia internacional, da qual alguns congoleses são cúmplices.

Anúncio da mensagem cristã: desafios e sucessos
O fenómeno da feitiçaria esteve no centro da intervenção do bispo de Uyo (Nigéria), D. Joseph Ekuwem. O “nosso povo acredita fortemente na existência de um tipo de força do mal e nas suas obras maliciosas”, afirmou. Para combater esta realidade, é preciso uma formação bíblica e teológica nas faculdades teológicas, com modalidades mais simples para o ensino dos fiéis. D. Ekuwem sugeriu também a aprovação de um novo rito do exorcismo, a ser disponibilizado aos sacerdotes, assim como a nomeação de um exorcista em cada diocese.
O diminuto apoio aos prisioneiros foi denunciado pela coordenadora da Comissão Internacional Católica para o Apoio Pastoral nas Prisões, Ir. Jacqueline Atabong, dos Camarões: “Sabemos que muitas das nossas prisões (…) estão superlotadas com pessoas pobres e desprovidos. Elas são estruturalmente inadequadas e trazem práticas que são desumanas, violentas (…) e podem algumas vezes causar a morte. O direito dos prisioneiros não é respeitado e a reinserção dos ex-prisioneiros é um suplício”. A Igreja, por seu lado, não tem conseguido acompanhar devidamente estas situações: “Sabemos que em muitas dioceses o apostolado carcerário ainda não existe, ou está pobremente organizado, com pessoal escasso ou não treinado, e tem pouco ou nenhum apoio das autoridades da Igreja ou do Estado”.
A actuação dos Focolares na África subsaariana, que remonta a 1963, reflecte-se hoje na espiritualidade de mais de 170 mil pessoas, referiu Geneviève Sanze, da Costa do Marfim. Esta responsável da Obra de Maria exemplificou o contributo daquele Movimento para a justiça e para a paz, através do programa “Nova Evangelização”, realizado em Fontem, nos Camarões. “Pedido de perdão e de reconciliação entre familiares e vizinhos, respeito dos valores morais, regresso aos sacramentos” e “experiência da paz interior” são alguns dos frutos desta iniciativa. A fundação de uma “escola de inculturação” em Nairobi (Quénia), no ano de 1992, foi outro dos casos de sucesso referidos por Geneviève Sanze. O objectivo da instituição, fundada por Chiara Lubich, consiste em aprofundar o enraizamento do Evangelho nas culturas africanas à luz do carisma da unidade, possibilitando a descoberta e a expressão dos “valores e limites das nossas próprias culturas”, e contribuindo para “nos apercebermos do património comum”, referiu.
Internacional Rui Martins 2009-10-13 10:17:38 17853 Caracteres Sínodo dos Bispos

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"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR