"Perguntou-me um aluno, com pertinência, se tem cabimento conceder a liberdade condicional a quem cometeu um crime tão grave como o homicídio. Esta pergunta simples permite esclarecer o sentido da liberdade condicional no nosso Direito.
A liberdade condicional pode ser concedida por juiz, após o cumprimento de metade da pena, mesmo quanto a crimes graves. Requer-se a previsão fundada de que o condenado não cometerá crimes nem haverá perturbação da ordem e da paz social.
Já sem observância do requisito de não--perturbação da ordem e da paz social, pode conceder-se a liberdade condicional após o cumprimento de dois terços da pena. Mas será indispensável uma prognose que conclua pela não perigosidade do condenado.
Tratando-se de penas superiores a seis anos, o condenado será colocado em liberdade condicional após o cumprimento de cinco sextos, se não o tiver sido antes. Neste caso, a concessão da liberdade condicional é independente de quaisquer requisitos.
A reforma de 2007 repôs o regime introduzido em 1982, que tinha endurecido, em 1995, para crimes punidos com pena superior a cinco anos. Essa alteração consistiu em se ter passado a exigir, naqueles casos, o cumprimento de dois terços da pena.
Mas tal alteração foi criticada, mesmo ao nível internacional, por ter provocado a sobrelotação prisional. E há quem pense que a igualdade manda aplicar a mesma regra em todos os casos (o resultado apenas varia em função da pena concreta).
A supressão da liberdade condicional para os crimes mais graves nunca foi contemplada no nosso sistema penal. Mesmo quando o número de homicídios era muito superior ao actual, como nos anos noventa, sempre se entendeu que a liberdade condicional é necessária para promover a ressocialização do recluso.
Através da execução da pena, o Estado deve preparar o condenado para a liberdade, prevenindo a reincidência. Admitir que, após o cumprimento de uma longa pena, o recluso regresse à liberdade sem uma fase de transição não defende a sociedade.
Está por demonstrar que a reincidência, na fase de liberdade condicional, é superior à reincidência após o cumprimento da pena. E também falta provar que a criminalidade violenta está associada, sobretudo, a pessoas em liberdade condicional.
A introdução, no debate político, da proposta de supressão da liberdade condicional pretende agravar a pena de prisão e reconfigurá-la como sanção retributiva e não preventiva. Porém, tal proposta só teria sentido se vigorasse a prisão perpétua.
O regresso a soluções pré-iluministas, em nome da segurança, não ultrapassa o plano simbólico. A liberdade condicional pode ser melhor executada, com maior controlo das obrigações impostas, mas é o modo adequado de transição para a liberdade. "
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
correiomanha
A liberdade condicional pode ser concedida por juiz, após o cumprimento de metade da pena, mesmo quanto a crimes graves. Requer-se a previsão fundada de que o condenado não cometerá crimes nem haverá perturbação da ordem e da paz social.
Já sem observância do requisito de não--perturbação da ordem e da paz social, pode conceder-se a liberdade condicional após o cumprimento de dois terços da pena. Mas será indispensável uma prognose que conclua pela não perigosidade do condenado.
Tratando-se de penas superiores a seis anos, o condenado será colocado em liberdade condicional após o cumprimento de cinco sextos, se não o tiver sido antes. Neste caso, a concessão da liberdade condicional é independente de quaisquer requisitos.
A reforma de 2007 repôs o regime introduzido em 1982, que tinha endurecido, em 1995, para crimes punidos com pena superior a cinco anos. Essa alteração consistiu em se ter passado a exigir, naqueles casos, o cumprimento de dois terços da pena.
Mas tal alteração foi criticada, mesmo ao nível internacional, por ter provocado a sobrelotação prisional. E há quem pense que a igualdade manda aplicar a mesma regra em todos os casos (o resultado apenas varia em função da pena concreta).
A supressão da liberdade condicional para os crimes mais graves nunca foi contemplada no nosso sistema penal. Mesmo quando o número de homicídios era muito superior ao actual, como nos anos noventa, sempre se entendeu que a liberdade condicional é necessária para promover a ressocialização do recluso.
Através da execução da pena, o Estado deve preparar o condenado para a liberdade, prevenindo a reincidência. Admitir que, após o cumprimento de uma longa pena, o recluso regresse à liberdade sem uma fase de transição não defende a sociedade.
Está por demonstrar que a reincidência, na fase de liberdade condicional, é superior à reincidência após o cumprimento da pena. E também falta provar que a criminalidade violenta está associada, sobretudo, a pessoas em liberdade condicional.
A introdução, no debate político, da proposta de supressão da liberdade condicional pretende agravar a pena de prisão e reconfigurá-la como sanção retributiva e não preventiva. Porém, tal proposta só teria sentido se vigorasse a prisão perpétua.
O regresso a soluções pré-iluministas, em nome da segurança, não ultrapassa o plano simbólico. A liberdade condicional pode ser melhor executada, com maior controlo das obrigações impostas, mas é o modo adequado de transição para a liberdade. "
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
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